Nove entidades passam a trabalhar em conjunto para proteger linces, lobos, abutres e águias da ameaça dos iscos envenenados. O novo Programa Antídoto Portugal foi apresentado esta tarde em Lisboa.
O veneno é uma arma usada há milhares de anos numa guerra contra os animais selvagens. É uma das maiores causas de mortalidade não naturais de espécies selvagens.
As razões são várias mas o resultado é sempre o mesmo. Um pouco por todo o país há veneno escondido nos campos e nas cidades e a morte surge mais ou menos rápida, mas sempre dolorosa.
De 2003 a 2014 morreram 145 indivíduos de espécies protegidas em Portugal, como a lince-ibérico Kayakweru, encontrada morta a 12 de Março de 2015 na zona de Mértola.
Nesta história, o dia 8 de Novembro de 2003 ficou como um marco. Em Idanha-a-Nova, 33 grifos, três abutres-pretos e três milhafres-reais morreram por terem ingerido uma ovelha com veneno, destinada a matar cães assilvestrados.
Menos de um ano depois estava a funcionar o Programa Antídoto, posto de pé por vários conservacionistas portugueses, inspirados por um programa a decorrer em Espanha.
Hoje, o Programa Antídoto foi revisto e melhorado, traduzido num acordo de parceria assinado entre nove entidades: Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Procuradoria-Geral da República e GNR, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, universidades de Lisboa, Évora e de Trás-os-Montes e Alto Douro e duas organizações não governamentais, Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza e Aldeia, responsáveis pela gestão de vários centros de recuperação de animais selvagens.
As novidades foram apresentadas numa sessão esta tarde na Procuradoria Geral da República, em Lisboa, perante uma sala cheia com responsáveis de Lisboa, mas também de Trás-os-Montes, Alentejo e da região do Porto.
O acordo de parceria para a implementação do novo Protocolo de Atuação no âmbito do Programa Antídoto Portugal revê os procedimentos a executar nos casos em que são encontrados, em meio natural, animais selvagens, mortos ou feridos, com suspeita de envenenamento. Além disso, cria a Rede Nacional de Centros de Necropsia e Toxicologia, para melhorar a operacionalidade dos exames periciais.
“Este protocolo nasce do esforço de muitas entidades, que há muitos anos vêm dando a sua atenção para que este assunto verdadeiramente importante se congregue num esforço colectivo de mais ambição, mas também de maior responsabilidade, de cada um dos envolvidos”, disse Rogério Rodrigues, presidente do conselho directivo do ICNF.
“A todas as entidades precisamos dar o nosso agradecimento, foram o início do que vamos construir. Estou convencido de que estamos num momento de um virar de página”, acrescentou o responsável, que apresentou o acordo de parceria para a implementação do novo Protocolo de Atuação.
Uma das novidades é a maior articulação entre as entidades responsáveis. “Este novo acordo vem esclarecer as responsabilidades de cada um de nós neste esforço colectivo”, explicou Rogério Rodrigues.
Até agora “havia alguma desarticulação das entidades envolvidas”, notou. Com esta parceria será criada uma plataforma acessível a todas essas entidades. “Isto não se consegue fazer numa folha de Excel. É necessária uma plataforma para que cada um possa carregar informação e acompanhar os processos do inicio ao fim.”
“Este protocolo define de forma mais clara a responsabilidade de cada entidade”, disse Rogério Rodrigues à Wilder no final da sessão. “Não podemos correr o risco de o voluntarismo de cada um acabar por criar procedimentos que depois têm lacunas”, impedindo que os casos tenham o desfecho legal merecido.
Por outro lado, acrescentou, “todos os procedimentos são melhorados, tornando-nos mais apetrechados” para travar o problema dos iscos envenenados.
Segundo Rogério Rodrigues, o Programa Antídoto funcionará com os orçamentos próprios de cada uma das entidades responsáveis. No caso dos centros de recuperação de animais selvagens – actualmente oito a receber animais selvagens terrestres nos distritos de Braga, Vila Real, Porto, Guarda, Castelo Branco, Santarém, Lisboa e Faro – haverá uma linha de financiamento a que se poderão candidatar, no âmbito do Fundo Ambiental.
É também criada a Rede Nacional de Centros de Necropsia e Toxicologia, composta por oito centros que farão as necropsias aos animais selvagens envenenados e por dois laboratórios de toxicologia, que irão determinar quais os tóxicos usados.
Estas informações, e ainda as provas recolhidas no terreno por elementos da GNR, serão cruciais para o trabalho posterior do Ministério Público, para aplicar a legislação.
“Actualmente abunda a legislação (…) mas a ameaça à natureza parece ser cada vez maior”, comentou esta tarde Lucília Gago, Procuradora-Geral da República. “Estes casos exigem a conjugação de todos os saberes disponíveis” e é preciso que cheguem a todas as comarcas do país, acrescentou.
“Acho que hoje estamos de parabéns, ao fim de tantos anos”, disse à Wilder Samuel Infante, conservacionista da Quercus e uma das pessoas responsáveis pela criação do Programa Antídoto Portugal em 2004. “Este acordo é um sinal muito positivo e estão a ser dados passos fundamentais para consolidar o programa Antídoto.” Ainda assim, acrescentou, “temos muito trabalho pela frente, como por exemplo quanto à actualização dos números de animais selvagens envenenados”.
Na verdade, estima-se que apenas 10% dos animais vítimas dos iscos envenenados sejam detectados, informou Rogério Rodrigues, presidente do ICNF. “O número real será muito superior.”
“Há 10 anos, Portugal não tinha meios específicos para fazer a prospecção de indícios de envenenamento. Agora existem, pelo menos, quatro equipas cinotécnicas da GNR no terreno, quando há casos de envenenamento.”
Na opinião de Joaquim Teodósio, responsável pelo Programa Terrestre da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea), “este protocolo é uma tentativa de aprender com algumas lições do passado”, estabelecendo um conjunto de instruções coerentes a aplicar por todo o país. “A questão do envenenamento de animais selvagens é urgente. Legislação já há, o importante agora é conseguirmos aplicá-la da melhor forma.”