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População ajuda a descobrir nova espécie de peixe que vive na mais absoluta escuridão

16.02.2023

Graças às informações recolhidas por um projecto de Ciência Cidadã sobre peixes-gato no estado indiano de Kerala, uma equipa de cientistas conseguiu descobrir uma nova espécie. O Horaglanis populi vive na mais completa escuridão nos aquíferos daquela região.

Tudo aconteceu quando uma equipa de investigadores indianos e alemães estavam a estudar o género Horaglanis sp. no estado de Kerala, no Sul da Índia. 

Os minúsculos membros deste género, com apenas cerca de três centímetros de comprimento, vivem nos aquíferos locais na mais completa escuridão. A vida nesses aquíferos é caracterizada pela ausência de luz, baixa concentração de nutrientes e por uma capacidade limitada para a dispersão.

Graças a um projecto de Ciência Cidadã, os investigadores conseguiram recolher informação sobre a distribuição dos animais, as suas características genéticas e a história evolutiva. Acabaram por descobrir uma nova espécie com base em estudos genéticos.

Horaglanis populi. Foto: C. P. Arjun

O estudo foi publicado na revista científica Vertebrate Zoology.

“Actualmente conhecem-se no mundo 289 espécies de peixes que vivem nos habitats aquáticos subterrâneos, menos de 10% deles vivem em aquíferos”, explicou, em comunicado, Ralf Britz, investigador das Senckenberg Natural History Collections em Dresden, na Alemanha.

“Para obtermos informação sobre este biótipo tão mal conhecido, estudámos durante seis anos a fascinante fauna piscícola dos aquíferos no estado indiano de Kerala”, acrescentou.

Os investigadores focaram-se, em especial, no género de peixes-gato Horaglanis sp. Estes peixes vivem exclusivamente em aquíferos, são muito pequenos, cegos e não têm pigmentos.

“Há poucas ocorrências documentadas destas espécies. Quase sempre estes pequenos peixes apenas surgem à superfície quando um poço doméstico é limpo ou aberto”, acrescentou Britz.

Um típico poço doméstico na região de Kerala. Foto: C. P. Arjun

Por essa razão, os investigadores pediram ajuda aos cientistas cidadãos locais. Durante seis anos realizaram vários workshops, grupos de debate e conversas informais com as comunidades em vários locais.

“Muitas vezes, as pessoas locais são as únicas que conseguem ver estas espécies tão esquivas. Por isso podem ter um papel importante em melhorar o nosso conhecimento científico sobre esta fauna tão peculiar!”.

Segundo Britz, os investigadores explicaram às pessoas a importância das espécies subterrâneas de peixes e a necessidade de as conservar. Pediram que partilhassem fotografias, informação e vídeos se encontrassem e/ou recolhessem alguma espécie.

A equipa complementou esta abordagem de Ciência Cidadã com esforços de recolha direccionados em poços, em zonas húmidas, canais de água, jardins domésticos, lagos e grutas.

“Isto permitiu-nos gerar dados para 47 novos locais e 65 novas sequências genéticas.”

Assim ficaram a saber, por exemplo, que os peixes Horaglanis sp. são caracterizados por um elevado nível de diversidade genética que evoluiu ao longo de milhões de anos. No entanto, a aparência dos peixes pouco se terá alterado.

Além disso, a equipa identificou uma nova espécie para a Ciência, a Horaglanis populi. Os peixes desta espécie medem até 32 milímetros, não têm olhos e são geneticamente distinto das outras três espécies de Horaglanis sp. conhecidas até então.

Imagem de tomografia computorizada do crânio de Horaglanis populi, visão frontal. Foto: Britz/Senckenberg

“O nome ‘populi‘ pretende homenagear o valioso contributo das pessoas de Kerala que ajudaram a documentar a biodiversidade destes peixes subterrâneos, incluindo a descoberta de uma nova espécie”, comentou Britz.

“O nosso projecto Horaglanis é um excelente exemplo de como o envolvimento das pessoas pode aumentar bastante o nosso conhecimento de organismos raros que vivem em habitats relativamente inacessíveis. Os habitantes locais expandem os ‘olhos e ouvidos’ dos investigadores em várias ordens de magnitude”, acrescentou o investigador.

Espécies com áreas de ocorrência pequenas, como o Horaglanis populi, são consideradas em risco elevado de extinção, especialmente se vivem em habitats subterrâneos. Segundo o estudo, os peixes analisados têm pouca ou nenhuma protecção legal a nível local ou regional e os seus habitats estão em paisagens densamente povoadas.

Estes peixes vivem ameaçados pela extracção de água subterrânea e pela actividade mineira.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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