Sapo-vulcânico-do-Quénia (Kenyaphrynoides vulcani). Imagem: The Trustees of the Natural History Museum, London

Nova espécie de sapo no Quénia revela história evolutiva oculta dos anfíbios africanos

14.11.2023

A descoberta para a Ciência do sapo-vulcânico-do-Quénia (Kenyaphrynoides vulcani) permitiu sabermos mais sobre a misteriosa história evolutiva dos anfíbios na África Oriental e está a desafiar as noções que tínhamos sobre a história biogeográfica da região.

Um solitário sapo descoberto nas altas florestas do Monte Quénia, que dá nome ao país, foi descrito como pertencendo a uma espécie e a um género novos. Mas ninguém ainda sabe muito bem como lá chegou.

Na verdade, as origens do sapo-vulcânico-do-Quénia estão envoltas em mistério.

O Quénia é conhecido por ter tido um turbulento passado geológico, com uma elevada actividade tectónica. Durante muito tempo foi, por isso, demasiado instável para lá crescerem florestas tropicais, limitando a oportunidade para qualquer espécie especialista em florestas se desenvolver, nomeadamente anfíbios.

Mas a descoberta deste sapo questiona agora tudo isso.

Os investigadores acreditam que esta espécie se separou dos seus antepassados há cerca de 20 milhões de anos, o que sugere que algumas regiões do Quénia terão sido estáveis o suficiente para algumas espécies sobreviverem.

Até agora, os cientistas apenas encontraram um macho e estão à procura de mais indivíduos para que possam perceber melhor a sua extraordinária evolução e aprender mais sobre a sua história natural.

“As montanhas do Quénia são, na sua maioria, vulcânicas e comparativamente recentes. Por isso, encontrar uma linhagem antiga que persistiu por milhões de anos é surpreendente”, comentou, em comunicado Simon Loader, curador de vertebrados no Museu de História Natural de Londres e co-autor do artigo publicado a 7 de Novembro na revista Zoological Journal of the Linnean Society. “É um verdadeiro quebra-cabeças perceber como lá chegou.”

Para já, Simon Loader tem uma sugestão. “Apesar de não termos certezas, parece que poderá ter tido uma distribuição mais vasta. À medida que o clima foi mudando, ao longo de milhões de anos, acompanhou a floresta tropical em movimento, sendo o seu destino final o topo do Monte Quénia.”

O Monte Quénia é um vulcão extinto que apenas se formou há cerca de três milhões de anos, o que o torna geologicamente muito recente.

Contrariamente ao pensamento dominante de que a maioria das espécies de anfíbios do Quénia se originaram depois da diminuição da actividade vulcânica há milhões de anos, o sapo-vulcânico-do-Quénia poderia ter evoluído há 20 milhões de anos, o que faz dele uma espécie muito mais antiga do que a formação vulcânica do próprio Monte Quénia.

A descoberta do sapo-vulcânico-do-Quénia

Este sapo foi inicialmente descoberto no Monte Quénia em 2015. Nessa altura já parecia ser muito diferente das espécies normalmente encontradas na região.

Patrick Malonza e Victor Wasonga, curadores no Museu Nacional do Quénia e co-autores do artigo, foram os primeiros a perceber que este sapo era de uma espécie nova.

“Ficámos verdadeiramente surpreendidos ao ver este animal porque não se parecia a nada que já tivéssemos visto antes”, comentaram. “O animal mais parecido era um sapo chamado Churamiti maridadi, que vive nas florestas a centenas de quilómetros de distância, na Tanzânia.”

Era uma espécie diferente, com um corpo mais fino e marcas distintivas verdes e castanhas. Para tentar identificá-lo, a equipa queniana pediu ajuda a Simon Loader e aos seus colegas, emprestando o espécime ao Museu de História Natural de Londres.

Simon Loader comparou características como a sua forma, cor e ADN a outros espécimes da colecção de anfíbios do Museu, revelando que não apenas este sapo era uma nova espécie como, na verdade, era um ramo diferente da árvore da vida, conhecido como género.

A equipa de investigadores espera encontrar mais indivíduos para saberem mais sobre a espécie. Mas não está a ser fácil e desde 2015 que nunca mais encontraram nenhum.

“É possível que a sua população esteja em declínio, uma vez que muitas das espécies que lhe são mais próximas estão criticamente ameaçadas e vivem em pequenas áreas onde a qualidade do habitat está em declínio”, comentou Christoph Liedtke, investigador na Estación Biológica de Doñana, Espanha, e o primeiro autor do artigo.

“É difícil dizer, contudo, porque o Monte Quénia é uma área grande que ainda não foi recenseada total e regularmente.”

Enquanto a “caça” continua, o único espécime de sapo-vulcânico-do-Quénia irá regressar ao Museu Nacional do Quénia para que os investigadores o possam continuar a estudar.

A descoberta desta espécie num local inesperado sugere que talvez possam existir ainda mais sapos escondidos nas ricas florestas do país.

“Não sabemos tudo sobre os principais grupos de anfíbios e, provavelmente, apenas conhecemos uma pequena porção da sua real diversidade”, comentou Liedtke. “Não podemos presumir apenas com base na geologia que não existam outras linhagens de anfíbios; podem haver mais sapos para encontrarmos nas florestas de África.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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