Esta é uma história que tem 128 anos. É sobre um pequeno mamífero, um musaranho, da ilha do Príncipe. Francisco Newton recolheu o espécime no final do século XIX. Este mês, Luís e Mariana ajudaram a descrevê-lo como uma nova espécie, num estudo científico publicado na revista “Mammalia”.
Quem vive na ilha do Príncipe chama-lhe Fingui, que quer dizer “rato pequeno”. Este é um musaranho que pesa cerca de 12 gramas, tem pêlo castanho escuro, cauda fina e focinho comprido e afilado. Quem mora naquela ilha diz que é muito comum encontrarem estes fingui em antigas plantações de banana e até dentro de casa.
Até agora acreditou-se que esta espécie de musaranho da ilha do Príncipe era a mesma que se encontra em várias regiões da África Central, o Crocidura poensis. Mas, várias análises e expedições depois, descobriu-se que, afinal, o pequeno musaranho do Príncipe era uma espécie inteiramente diferente, o Crocidura fingui. E não vive em mais lugar nenhum do mundo.
Luís Ceríaco é um investigador Post-Doc da Academia de Ciências da Califórnia e curador-adjunto das colecções de Herpetologia no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. Ficou intrigado ao analisar o trabalho de Francisco Newton, explorador naturalista português que estudou a fauna da ilha no final do século XIX. “A história do musaranho fascinou-me e tive de ir ao Príncipe”, contou à Wilder.
Nas remessas de exemplares que Newton enviou em 1887 para Lisboa, para o Museu de História Natural, falava-se de “… seis caixas contendo aves, répteis, insectos e várias outras coisas. Vai um exemplar de um rato insectívoro que me parece novo…”. Mas apesar da sugestão de Newton, só agora é que o musaranho do Príncipe ganhou o seu lugar devido no mundo da Taxonomia.
Em Março de 2013, Luís Ceríaco e Mariana Marques, colaboradora científica do Museu e investigadora da Universidade de Évora, estiveram uma semana na ilha do Príncipe. Recolheram quatro espécimes perto de povoações, numa estrada rodeada de floresta e perto de um rio.
Concluíram que o musaranho do Príncipe é diferente do musaranho da ilha de São Tomé e de todos os outros musaranhos do género Crocidura, tido como o género mais diverso de musaranhos, ocorrendo da Europa à África e Ásia, com a sua maior diversidade em África.
O Fingui é mais pequeno do que o musaranho de São Tomé (Crocidura thomensis) e, apesar de ser morfologicamente parecido ao musaranho Crocidura poensis, é geneticamente diferente.
Para ter a certeza de que esta é uma espécie separada, os investigadores não foram só ao Príncipe. “Estivemos em São Francisco a estudar animais recentemente colectados de C. thomensis e no Museu de História Natural em Paris onde medimos vários espécimes de musaranhos e trabalhámos com os colegas franceses na parte molecular e na escrita do artigo”, acrescentou.
O mistério do musaranho
Mas os mistérios em redor deste pequeno animal ainda não terminaram.
São Tomé e Príncipe são duas ilhas no Golfo da Guiné que têm um dos maiores números de espécies endémicas, ou seja, espécies que só existem ali e em mais nenhum lugar, por área do mundo. Muitas aguardam ser descritas, especialmente mamíferos. Actualmente apenas existem onze espécies registadas.
Segundo o artigo científico, os únicos mamíferos nativos são os morcegos e os musaranhos. Os outros foram introduzidos. Então, como terão os musaranhos chegado à ilha?
“Assumimos que a espécie tenha chegado através de uma “jangada” natural, vinda de algum rio do Golfo da Guiné”, disse Luís Ceríaco. “Estas jangadas são bocados de troncos e lama que, por vezes, são arrastados pelos rios. Tendo em conta que o sistema de correntes da zona leva muitos destes rios para a zona do Príncipe, é expectável que a colonização se tenha dado assim”. Mas ainda não há certezas.
Certeza mesmo é que a ilha do Príncipe tem a sua própria espécie de musaranho. “A descoberta de novas espécies para a ciência é sempre importante, dá-nos a oportunidade de levantar mais o véu que ainda esconde grande parte do mundo natural”, salientou o investigador.
“Numa altura em que corremos o risco de perder para sempre espécies que porventura nunca chegámos a conhecer, cada espécie que conseguimos descrever é uma pequena vitória nesta corrida contra o tempo”, acrescentou.
E as colecções de História Natural ajudam neste trabalho. “Se não fossem as colecções seria impossível fazer-se a comparação necessária para confirmar as diferenças (e semelhanças) entre as espécies, processo fundamental para a descrição de espécies.”