O glifosato, o herbicida mais usado em Portugal e no mundo e acusado de causar cancro e danos nos insectos polinizadores, poderá ser utilizado por mais 10 anos, ainda que com determinadas condições e restrições, decidiu ontem a Comissão Europeia, numa votação em que os Estados membros voltaram a não chegar a acordo.
Numa votação realizada a 16 de Novembro, os Estados-Membros não alcançaram a maioria qualificada necessária para renovar ou rejeitar a aprovação do glifosato, herbicida de amplo espetro e dessecante de culturas agrícolas, usado para matar ervas daninhas.
Esta votação segue-se a uma anterior realizada a 13 de Outubro no Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal, em que os Estados-Membros também não alcançaram a maioria necessária para renovar ou rejeitar a proposta.
“Na ausência da maioria necessária num dos sentidos, a Comissão é agora obrigada a adotar uma decisão antes de 15 de dezembro de 2023, data em que termina o atual período de aprovação, explica Bruxelas em comunicado. A Comissão “procederá à renovação da aprovação do glifosato por um período de dez anos, sob reserva de determinadas condições e restrições”.
Essas restrições incluem a proibição da utilização pré-colheita como dessecante e a necessidade de determinadas medidas para proteger organismos não visados.
Para tomar a sua decisão, Bruxelas baseou-se num parecer realizado pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) em Julho, segundo o qual o uso do glifosato não tem riscos para a saúde. Levou também em conta pareceres da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) e dos Estados-Membros.
“Esta proposta de renovação do glifosato é um drama para a saúde humana, com um número crescente de vítimas que sofrem de cancro e deformações desde tenra idade, e também para outros organismos vivos. Numerosos estudos demonstraram o efeito devastador do glifosato na biodiversidade”, disse à Euronews a eurodeputada francesa Marie Toussaint, da bancada dos Verdes no Parlamento Europeu.
“A Europa tem uma escolha: ou envenena ou protege. E esta votação, esta abstenção dos Estados-membros – que tinham os meios para impedir esta proposta – acaba por contribuir para a deterioração da saúde, para a devastação da natureza. Agora escondem-se por detrás da sua abstenção, alegando que se opuseram porque se abstiveram, para não passarem um cheque em branco à Comissão Europeia, o que é totalmente hipócrita”, acrescentou Marie Toussaint.
Os Estados-Membros são responsáveis pela autorização nacional de produtos fitofarmacêuticos que contenham glifosato e continuam a poder restringir a sua utilização a nível nacional e regional se o considerarem necessário com base nos resultados das avaliações dos riscos, tendo especialmente em conta a necessidade de proteger a biodiversidade.
Já em Novembro de 2017, quando a licença do glifosato expirava, a Comissão Europeia também não conseguiu chegar a acordo, não tendo conseguido a maioria necessária para renovar a licença a este químico. De início, Bruxelas recomendou a aprovação do glifosato por mais uma década. Mas, confrontada com um coro de protestos que alertavam para os perigos do químico para a saúde e para o Ambiente, a Comissão Europeia reduziu a sua proposta de 10 para cinco anos.
Agora, a história repete-se.
Além das suspeitas quanto aos efeitos que o glifosato tem sobre a saúde humana – está classificado desde 2015 pela Agência internacional para a Investigação sobre o Cancro (da Organização Mundial de Saúde), como provável carcinogéneo para o ser humano – este herbicida é fortemente criticado pelos ambientalistas, por considerar-se que reduz a biodiversidade ao atacar as plantas em geral. Dessa forma, contribui para o desaparecimento dos habitats de muitos insectos e de outras espécies.