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Cavalo-marinho. Foto: ICNF

Devolvidos à natureza cavalos-marinhos resgatados em 2022 na Trafaria

16.11.2023

Os cavalos-marinhos resgatados em Março de 2022 após o colapso de um pontão na Trafaria, Almada, foram devolvidos à natureza a 31 de Outubro, revelou hoje o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

A devolução dos animais ao seu ambiente natural, feita em mergulho na zona da Trafaria, aconteceu no passado dia 31 de Outubro, numa acção coordenada pelo ICNF e que envolveu o Oceanário, o MARE-ISPA, devidamente licenciados para a translocação dos cavalos-marinhos, e a Câmara Municipal de Almada.

O colapso de um dos pontões da Trafaria aconteceu a 25 de Março de 2022, pondo em perigo a população de cavalos-marinhos que vivia debaixo desse pontão. Esta população tem animais de duas espécies, o cavalo-marinho-de-focinho-curto (Hippocampus hippocampus) e o cavalo-marinho-de-focinho-longo (Hippocampus guttulatus).

Foto: Sylvie Dias

Por isso, a 30 de Março de 2022, os animais foram recolhidos na zona da baía da Trafaria, no concelho de Almada, e acolhidos no Oceanário de Lisboa.

“Decidiu-se pela recolha destes animais, com a ajuda do MARE-ISPA e sob coordenação do ICNF, uma vez que se encontravam em risco devido ao possível afundamento do que restava da estrutura do pontão”, explica o ICNF em comunicado.

“Esta operação aconteceu porque em Março de 2022 um dos pontões da Trafaria colapsou e colocou em risco esta população de cavalos-marinhos. Nos meses seguintes a Administração do Porto de Lisboa realizou algumas intervenções nos pontões e não podíamos correr o risco destas obras afectarem negativamente esta população que tem características muito especiais. Podemos considerar que foi uma acção preventiva, com o objetivo de minimizar os riscos para estes animais em perigo, e que decorreu com enorme sucesso”, comentou à Wilder Gonçalo Silva, biólogo marinho da unidade regional de investigação do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente no ISPA/Lisboa.

Os cavalos-marinhos foram acolhidos pelo Oceanário de Lisboa, onde permaneceram até serem agora libertados. “Durante este período os animais estiveram no Oceanário de Lisboa em perfeitas condições de saúde”, explicou também.  

Antes da libertação foi retirada uma rede fantasma e estão previstas várias ações de limpeza para breve, adianta o mesmo instituto.

A intervenção de Março de 2022 permitiu recolher cinco marinhas (Syngnathus acus) e 23 cavalos-marinhos das duas espécies ocorrentes em Portugal (quatro cavalos-marinhos comuns, Hippocampus hippocampus, e 19 cavalos-marinhos-de-focinho-comprido, Hippocampus guttulatus). As marinhas, que entretanto se haviam reproduzido, permitiram devolver mais de 100 indivíduos no passado mês de março.

“Inevitavelmente houve mortalidade, pois o ciclo de vida destes animais e a longevidade são relativamente curtos”, explicou o biólogo. “Apesar de ainda se saber muito pouco sobre estas espécies, a idade destes organismos pode ir até aos 5 anos (6 em cativeiro), e não tínhamos a informação da idade de cada um dos indivíduos capturados. Foram resgatados quatro cavalos-marinhos comuns (Hippocampus hippocampus) e libertados três; 19 cavalos-marinhos de focinho comprido (Hippocampus guttulatus) e libertados 16; relativamente às marinhas (Syngnathus acus) foram resgatados 5 indivíduos e foram libertados, em Março de 2023, os 5 resgatados e mais de 100 nascidos no Oceanário.”

Foto: Sylvie Dias

Segundo o ICNF, “as espécies Hippocampus hippocampus e Hippocampus guttulatus têm graves problemas de conservação, necessitando de medidas de proteção específicas e urgentes, o que fez com que já estejam listadas nos anexos da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção) e no Regulamento Comunitário, que aplica essa convenção na União Europeia, tendo ainda sido incluídas nos anexos do Decreto-Lei nº 38/2021, de 21 de maio, que aprovou o regime jurídico aplicável à proteção e à conservação da flora e da fauna selvagens e dos habitats naturais das espécies enumeradas nas Convenções de Berna e de Bona“, sublinhou ainda o ICNF.

“Apesar de bastante impactada, a baía da Trafaria tem características muito especiais, assim como a comunidade de cavalos-marinhos que aqui vive”, comentou Gonçalo Silva.

Desde Março de 2022, o projecto CavALMar estudou os cavalos-marinhos na frente ribeirinha de Almada, uma colaboração com a Câmara Municipal local. “Neste projeto ficámos a conhecer um pouco mais sobre os cavalos-marinhos nesta área: onde existem, qual a sua abundância, em que habitat ocorrem, quais as suas ameaças! Esta informação científica permitiu-nos tomar decisões informadas, se haveríamos de devolver os cavalos-marinhos ao mesmo local que é bastante impactado pelas actividades antropogénicas, ou se haveria algum outro local próximo com condições semelhantes onde fosse mais benéfico libertá-los.”

Agora, acrescentou, “há um longo trabalho a desenvolver em conjunto com a comunidade local, com as empresas, com as entidades públicas e privadas que têm responsabilidades na gestão e no ordenamento do território nesta área, de forma a melhorar as práticas, a gestão dos resíduos, a fiscalização, de promover o restauro dos habitats, e de trabalhar a literacia e a educação”.  


Saiba mais.

Conheça aqui a história dos cavalos-marinhos da Trafaria.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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