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Descobertas em Portugal três novas espécies para a Ciência que são velozes nadadoras

05.03.2025

Trabalho de campo e em laboratório resultou na descoberta de três novas espécies de ácaros aquáticos para Portugal e para a Ciência. A investigação, publicada agora numa revista científica, eleva para 144 o número de espécies destes minúsculos e rápidos animais no nosso país.

Os ácaros aquáticos não serão das espécies que logo nos lembramos quando pensamos em biodiversidade. Mas só em Portugal há 144 espécies destes minúsculos animais, cujo papel é considerado crucial.

As três espécies novas para Portugal e para a Ciência pertencem ao género Teutonia, que inclui os nadadores mais rápidos de todos os ácaros aquáticos. São elas a Teutonia lusitanica, a Teutonia herminiana e a Teutonia condei.

Teutonia condei. Foto: Federica Sesti
Teutonia condei. Foto: Dinis Girão

Sónia Ferreira, investigadora do BIOPOLIS-CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) da Universidade do Porto, fez parte da equipa internacional de peritos responsáveis pela investigação, publicada este mês na revista Systematic & Applied Acarology.

Os ácaros aquáticos “são pequenos animais invertebrados de reduzidas dimensões e ainda que o seu tamanho seja variável, são visíveis a olho nu”, explicou Sónia Ferreira à Wilder. “De uma forma geral são ligeiramente mais pequenos do que cabeças de alfinete.”

“Têm um ciclo de vida complexo com fases aquáticas e fases em que vivem alojados no corpo de insetos voadores durante as quais podem estar afastados dos cursos de água. Alimentam-se de outros invertebrados, em muitos casos de insetos, por vezes como parasitas e nas fases adultas como predadores.”

Zambujeira do Mar é a localidade típica de Teutonia lusitanica. Foto: Torbjorn Ekrem

Estes animais “são componentes importantes da biodiversidade de água doce e podem ter um papel muito relevante no controlo de populações de outros invertebrados”, salientou Sónia Ferreira.

“Os ácaros aquáticos têm um enorme potencial de bioindicação, no entanto o conhecimento das espécies com ocorrência em Portugal é ainda limitado. Como se trata de um dos grupos mais numerosos de invertebrados aquáticos e pelo seu complexo ciclo de vida é possível aferir variações no ambiente e as características do habitat onde são encontrados com base nas comunidades de ácaros aquáticos ali encontrados.”

As três espécies agora descritas ocorrem na área do Parque Natural da Serra da Estrela. “Uma delas (a Teutonia lusitanica) parece ter uma área de distribuição muito mais ampla, dado que foi também encontrada nos municípios de Mértola, Aljezur e de Odemira”, acrescentou a investigadora.

O estudo também confirmou, pela primeira vez para Portugal, a presença da espécie de Teutonia cometes.

O Covão da Ametade é a localidade típica de Teutonia herminiana  e de Teutonia condei. Foto: Elisabeth Stur

Para este estudo, os investigadores foram durante o ano de 2023 para o terreno fazer trabalhos de amostragem e recolheram os ácaros aquáticos com pequenas redes que colocaram nas águas de lagoas ou rios como o rio Alva (em Seia), por exemplo. “Os resultados do artigo agora publicado tem resultados das amostragens no Alentejo e na Serra da Estrela”, disse Sónia Ferreira. Estas “são duas regiões com reconhecida elevada diversidade biológica para inúmeros grupos e onde quisemos explorar no sentido de revelar a diversidade deste grupo”.

“Tendo estas regiões características tão distintas, foi uma enorme surpresa encontrarmos uma espécie nova para a Ciência que vive no Sudoeste Alentejano, em Mértola e na Serra da Estrela.”

Por outro lado, acrescentou, “as outras duas espécies parecem ter uma área de distribuição bem mais restrita, não tendo sido encontradas até agora em outras regiões do país”.

Segundo Sónia Ferreira, a importância de conhecermos melhor as espécies de ácaros aquáticos do país tem uma explicação simples. “Além de aprofundar o conhecimento sobre o nosso património natural, conhecermos quais as espécies de ácaros aquáticos que vivem no nosso país e onde vivem vai-nos permitir desenvolver indicadores de bioindicação, nomeadamente de qualidade da água relacionados com poluição, destruição de habitat e alterações climáticas. Além disso, permite-nos conhecer melhor as redes de interações entre espécies.”

As descobertas ocorreram no âmbito do projeto Biodiversity Genomics Europe, que tem como objetivo enfrentar a crise global da biodiversidade, “proporcionando uma compreensão mais profunda da diversidade da vida na Terra por meio da genómica e, em particular, do uso de códigos de barras de DNA”.

A Casa do Cantoneiro é um local na Serra da Estrela onde também ocorrem Teutonia herminianaTeutonia condei. Foto: Elisabeth Stur

Na equipa participaram investigadores do BIOPOLIS – CIBIO, da Universidade de Montenegro, da Universidade de Florença e da Universidade Noruega de Ciência e Tecnologia.

Os investigadores deram o nome Teutonia condei a uma das espécies para homenagear José Conde, biólogo serrano do Centro de Interpretação da Serra da Estrela. “Nascido e criado na Serra, com uma aptidão natural para assuntos da conservação da natureza, desde cedo encontrou na biologia a sua vocação. Quem visita a Serra da Estrela e acompanha uma das muitas visitas/excursões que realiza rapidamente percebe que o Zé Conde é ao mesmo tempo um repositório de relevante informação e um fervoroso guardião do conhecimento e património natural desta região”, comentou a investigadora.

De momento, a equipa de investigadores está a desenvolver amostragens um pouco por todo o país, incluindo Madeira e Açores e a documentar a incrível diversidade deste grupo.

Este trabalho resulta, então, do projecto “Biodiversity Genomics Europe” (BGE), lançado oficialmente em Setembro de 2022, com um orçamento de 17 milhões de euros para “aplicar a genómica na investigação da biodiversidade”. Nele participam cientistas de 33 entidades, em 20 países, que se dedicam ao estudo alargado de dados de ADN para descobrir novas espécies – estima-se que 80% das espécies do planeta ainda não foram descobertas-, perceber melhor como interagem umas com as outras e com o ambiente e para prever como a biodiversidade poderá responder às alterações ambientais.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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