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Recolha de fósseis na jazida da Acitheca machadoi, em outubro de 2021. Foto: CGEO/Universidade de Coimbra

Descoberta nova espécie de feto que viveu no Buçaco há 300 milhões de anos 

10.01.2025

Poderia chegar aos 3,5 metros, competindo com as árvores em tamanho e, provavelmente, não a distinguiríamos dos fetos de hoje. Vivia no Buçaco há 300 milhões de anos. A Wilder falou com uma das paleontólogas de Coimbra que descreveram esta nova espécie, Acitheca machadoi.

Estes fetos, da espécie Acitheca machadoi, tinham “porte de árvore, com um tronco que eleva as frondes acima do nível do solo, a chamada folhagem aérea, e podiam alcançar os 3,5 m de altura”, contou à Wilder Sofia Pereira, investigadora do Centro de Geociências (CGEO) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e coautora do artigo publicado na revista Review of Palaeobotany and Palynology.

Holótipo de Acitheca machadoi. Foto: CGEO/Universidade de Coimbra

As folhas destes fetos arbóreos primitivos, e já extintos, eram grandes e podiam ramificar-se em três ou quatro pinas. Na verdade, acrescentou a investigadora, “o género Acitheca integrava o grupo Marattiales, atualmente representado por uma única família que reúne os maiores fetos conhecidos, e os quais mantêm características consideradas mais primitivas para estas plantas que nos são tão familiares”. 

“Talvez estejamos mais familiarizados com fetos rasteiros ou de pequeno porte, mas em Portugal temos fetos arbóreos que alcançam uma dezena de metros”, lembrou. Aqui, no site da Flora-On, pode consultar as espécies de fetos actuais no nosso país.

E quão diferente seria este feto daqueles que existem hoje? “Assim à primeira vista, se víssemos só as frondes, a folhagem, provavelmente a maioria de nós não notaria diferenças entre este feto paleozóico e os atuais. É um grupo morfologicamente bastante estável, ainda que, por exemplo, a forma alongada dos esporângios de Acitheca machadoi já não ocorra nos fetos atuais”, respondeu Sofia Pereira. 

Como foi encontrado

A história desta nova espécie de feto – batizado de Acitheca machadoi, em homenagem ao geólogo e paleontólogo Gil Machado, que estudou as camadas de rochas e as floras palinológicas da Bacia Carbonífera do Buçaco – começou a 9 de outubro de 2021, o dia em que o fóssil foi recolhido durante uma campanha de campo nos depósitos de carvão de Vale da Mó, da região de Anadia, no distrito de Aveiro.

Mas nesse dia, ainda ninguém sabia que tinha em mãos o fóssil de uma nova espécie. Este só haveria de ser estudado mais tarde.

“Os depósitos de carvão da região do Buçaco, talvez devido à modesta extensão e reduzida relevância económica, mas também por uma série de infortúnios nos primórdios dos estudos geológicos em Portugal, receberam menos atenção ao longo do tempo”, explicou Sofia Pereira.

Nos últimos cinco anos, esses depósitos de carvão, que “ocorrem numa sequência de rochas conhecida como Bacia Carbonífera do Buçaco (…), têm recebido particular atenção de um grupo de investigadores do CGEO”, acrescentou.

Os investigadores têm prestado especial atenção ao registo de “fósseis de plantas (e, com alguma sorte, também de animais) que viveram na região de Anadia e da Mealhada há cerca de 300 milhões de anos”.

Por exemplo, este trabalho já permitiu a descoberta de uma nova espécie de barata primitiva, à qual a equipa de Sofia Pereira deu o nome Poroblattina anadiensis, por o seu fóssil ter sido encontrado na região de Anadia.

Em 2021, Miguel Correia e Marco Cavaleiro, dois alunos da licenciatura em Geologia, receberam duas bolsas de iniciação à investigação do programa Verão com Ciência da Fundação para a Ciência e Tecnologia, atribuídas pelo CGEO. Iriam fazer a prospeção paleontológica na Bacia Carbonífera do Buçaco durante o verão de 2021.

Pouco depois, o CGEO contratou o investigador Pedro Correia, especialista em paleobotânica, para estudar as associações fossilíferas. “Com a entrada do Pedro, organizámos uma campanha, na qual participaram também os alunos, e foi então que se recolheram vários fósseis, entre os quais o da nova espécie”, contou Sofia Pereira.

Equipa no dia em que encontrou o fóssil, da esquerda para a direita Rodrigo Janeiro, Miguel Correia e Marco Cavaleiro (alunos), Pedro Correia (autor do trabalho) e Sofia Pereira (co-autora). Foto: CGEO/Universidade de Coimbra

Hoje, o fóssil na origem da descrição desta nova espécie está preservado nas coleções de paleontologia do Museu de Geologia Fernando Real da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, instituição à qual pertence um dos coautores, Artur Sá. “Com a exceção do património paleontológico imóvel (como, por exemplo, trilhos de pegadas de dinossauros), regra geral todo o material paleontológico publicado deve estar depositado num repositório científico de acesso aberto”, explicou a investigadora.

A importância de um feto com 300 milhões de anos

Segundo Sofia Pereira, esta nova descoberta “não só nos fornece novos conhecimentos sobre a paleoecologia e a diversidade de espécies deste género de fetos, como ajuda a reconstituir a flora daquela região há 300 milhões de anos e a compreender as condições ambientais que ali prevaleciam”.

O fóssil descoberto estava preservado o suficiente para permitir saber várias coisas. “Apesar dos 300 milhões de anos que nos separam e das deformações sofridas pelas rochas que a guardaram, a fronde fértil encontrada conserva esporângios com impressionante detalhe tridimensional e ainda com esporos in situ“, salientou Sofia Pereira. 

Além disso, esta nova espécie apresenta dos mais pequenos esporângios (órgãos reprodutores da planta) documentados para o género Acitheca. Esta seria uma prova do começo da transição de condições húmidas para secas nas associações de plantas fósseis da Bacia Carbonífera do Buçaco. “Será este tamanho reduzido dos esporângios uma adaptação às condições mais secas que se faziam sentir então? Talvez. Afinal, esta é uma das adaptações mais ‘escolhidas’ pelas plantas para enfrentar condições de pouca disponibilidade de água, permitindo-lhes conservar água, aumentar a eficiência energética e facilitar a libertação de esporos.”

“E, embora na paleontologia tenhamos de esperar pelas próximas peças do puzzle, são já vários os sinais da transição de condições húmidas para secas nas associações de plantas fósseis da Bacia Carbonífera do Buçaco. Poderiam espelhar a mudança climática global que se iniciou na passagem do Período Carbónico para o Período Pérmico, há cerca de 300 milhões de anos, e que vai marcar este último período geológico do Paleozoico.” 

Fóssil recolhido no mesmo dia da campanha que mostram a associação florística que ali aflora, com espécies diferentes. Foto: CGEO/Universidade de Coimbra

Com uma diversidade global relativamente baixa – conhecem-se menos de 10 espécies – Acitheca machadoi é o terceiro representante do género em Portugal, sugerindo que a sua diversidade poderá estar subestimada.

Segundo Sofia Pereira, o género Acitheca extinguiu-se há cerca de 299 milhões de anos. Quanto à Acitheca machadoi, apenas se conhece o espécime encontrado em Vale da Mó. “A planta cuja fronde fossilizou e hoje encontrámos, apenas podemos dizer que terá morrido quando a unidade rochosa onde fossilizou se depositou, há uns 300 milhões de anos. Nada mais sabemos para já daquela espécie em concreto.”

“Temos de ter a noção que a extinção é um fenómeno natural. A maioria dos grupos biológicos que já existiram já se extinguiram. Faz parte da dinâmica: grupos biológicos surgem, grupos biológicos desaparecem. Claro que ocorrem fenómenos que podem potenciar/originar essa extinção, mas avançar para o motivo concreto de um género de fetos em particular, seria apenas especulativo.”

Ainda assim, durante o Pérmico, o período que se seguiu, o clima tornou-se progressivamente mais quente e seco e, certamente, isso favoreceu uns grupos e outros nem tanto. “A família à qual este género pertencia, Psaroniaceae, sobreviveu à maior extinção conhecida no registo geológico (final do Pérmico) e resistiu, pelo menos, até ao Cretácico Inferior. As espécies vivas de Marattiales representam uma componente muito pequena da diversidade total do grupo, são muitas mais as espécies de Marattiales que se extinguiram do que as que existem, mas a redução dramática do grupo deu-se no final do Mesozoico e as razões ainda não foram explicadas.” 


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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