Veados, águias, camaleões, rios, montanhas e florestas são protagonistas de um Portugal selvagem que Daniel Pinheiro retira dos bastidores e põe no palco. Dá-lhes destaque, luzes, tempo e importância para que possamos ver aquilo que sozinhos não conseguimos. Como se faz os outros gostarem da Natureza?
A resposta a esta pergunta começa pelo fim. O resultado de milhares de horas de trabalho, no campo e no estúdio, é conseguido porque Daniel Pinheiro é um admirador do mundo natural que gosta de todas as espécies que fica a conhecer. “Desde os répteis aos líquenes, tudo é especial”. Por isso conta histórias. Como estas.
Mas o que está por detrás dos documentários de natureza? É nas planícies de Castro Verde, no Alentejo, que estamos para saber como tudo começa.
Daniel Pinheiro dirige-se para a charca com um louva-a-deus (vivo) enfiado na mochila. Céu azul. Vento.
Para trás ficou um picanço-barreteiro que voou apressadamente das vedações de arame dos campos, como se não fossemos de confiança.
Não é costume Daniel andar com um louva-a-deus na mochila. Mas acontece que topou o insecto da cor da palha e enfiou-o numa embalagem de plástico para filmá-lo mais tarde. Pode conseguir boas imagens. Ou não. Mas antes, instala-se nas margens da charca, no meio da vegetação. Assim como um espião.
“Não sou biólogo, sou um autodidata”, diz Daniel, 34 anos. “O que sei aprendi nas muitas horas que passo no terreno, sozinho, vendo as coisas acontecer, falando com as pessoas que encontro e pedindo ajuda a biólogos e a especialistas”.
Não se vem para o campo filmar assim sem mais nem menos. Primeiro há que dominar a parte técnica.
“Para mim foi determinante o mestrado de Wildlife Documentary Production que fiz na Universidade de Salford, Inglaterra, durante um ano”, conta. E a participação em produções em Portugal, Espanha, Peru, Brasil e Argentina.
Depois é preciso estudar os animais, as paisagens, as estações do ano. Isto não é sacrifício, para quem desde criança se interessa pela natureza, especialmente répteis. “Gostava de ficar horas a olhar para eles. Na Anadia, onde nasci e cresci, estava em contacto directo com o campo. Chamavam-me o ‘Daniel das Cobras’ porque gostava de as apanhar”.
Mas esta manhã não são as cobras que o fizeram montar o tripé, a câmara e o abrigo castanho e verde para se confundir com a paisagem. Está à espera de cortiçóis-de-barriga-preta. Que ainda não chegaram.
Daniel sabe que precisa de imagens de cortiçóis-de-barriga-preta porque segue um guião que previamente definiu. “Começo por fazer um guião com uma narrativa, e com as espécies e os seus comportamentos, que quero captar para contar a história.”
Depois vai para o campo. Descobrir os animais requer tempo. “É preciso investir muito num sítio, chegar cedo, geralmente ao nascer do sol, e estar lá ao final do dia, quando os animais estão mais activos”.
Antes de montar o equipamento há todo um trabalho de detective a fazer para conseguir imagens de sapos a enterrarem-se na terra ou de escorpiões a saírem de fendas nas rochas. “Vejo com atenção por onde os animais costumam andar e espero. Fui feito para o campo, onde não me perco; mais depressa me perco nas cidades”, ri-se.
E depois de montar o equipamento fica à espera dos momentos. “O segredo”, explica-nos, “é transformar os acasos em coisas prováveis”.
Entretanto na margem da charca, entre as ervas altas, os cortiçóis-de-barriga-preta mostram o quão longa pode ser a espera.
Continuamos à espera do momento, tentando passar despercebidos. O que pode ser uma arte. E Daniel Pinheiro é exímio. À conta dessa arte já teve uma manada de vacas prestes a “tropeçar” nele. “Uma vez estava parado há horas para filmar um sisão quando fui cercado por vacas a pastar. Como já tinham estragado o meu trabalho, levanto o pano do abrigo, espreito e digo-lhes ‘Então?!’. Levaram cinco segundos até começarem a fugir”, recorda a sorrir. Menos tempo levou um agricultor de Celorico da Beira que não ganhou para o susto, quando Daniel se levantou de repente do meio dos arbustos para não ser atropelado pela passagem do tractor.
Na verdade, a vida de um realizador de documentários de natureza não é só inspiração e beleza; também tem os seus momentos. “A maior parte das vezes é uma enorme frustração”, admite. “A maioria das filmagens são planos que não prestam, como quando só consigo apanhar o animal muito longe. Não basta gostar da natureza e dos documentários; é preciso ter espírito de sacrifício e resistência para voltar a tentar”. Afinal de contas, a natureza é imprevisível.
“Se no final das filmagens tiver 70 a 80% do guião, é muito bom”, acrescenta. Depois é adaptar o guião às imagens que tem e tentar colmatar as lacunas com outras sequências que não tinha previsto e que, entretanto, conseguiu captar.
“O que pretendo fazer com os documentários de natureza é mostrar ao grande público as espécies que temos, para que gostem delas”. – DANIEL PINHEIRO
De repente, surgem a voar sobre a charca três cortiçóis-de-barriga-preta. Mas detectaram os “intrusos” e voaram para longe antes de nada. Lá se foram as imagens.
Mais tarde, nem o louva-a-deus se mostrou colaborante e Daniel foi colocá-lo no mesmo sítio de onde o tinha tirado, devolvendo-o ao sossego das planícies.
Parecia ter sido mais um dia de espera, sem os tais momentos. Mas ao fim do dia, já de regresso a casa, Daniel enviou-nos uma mensagem. Tinha voltado à charca ao pôr-do-Sol e sete abetardas foram beber água e fazer-lhe companhia. Tinha ganho o dia.
[divider type=”thin”]Agora é a sua vez. Daniel Pinheiro deixa quatro conselhos para quem quiser fazer os seus documentários de natureza.
– Saber qual a melhor altura do ano para observar o quê. Regra geral, a melhor altura do ano para filmar é a Primavera, porque há mais actividades extra como as cortes nupciais, por exemplo.
– Ir para a zona escolhida com guias.
– Pode também escolher montar o equipamento a partir do carro. Vê-se muita coisa.
– Esperar muito.