PUB

A nova espécie, escalo-do-Sado. Foto: Rúben Oliveira

Cientistas descobrem nova espécie de peixe que ocorre apenas na bacia do Sado

09.12.2024

Estudo uniu as ribeiras do Sado aos corredores de um Museu em Madrid para descobrir um novo endemismo português, o escalo-do-sado (Squalius caetobrigus).

O pequeno grande mundo dos peixes de água-doce endémicos de Portugal e da Península Ibérica conta com um novo representante: o escalo-do-sado (Squalius caetobrigus).

A espécie fotografada no campo com mão da investigadora para escala. Foto: Carla Sousa Santos

O estudo que o dá a conhecer pela primeira vez foi hoje publicado num artigo na revista Limnetica e tem como primeira autora Sofia Mendes, doutoranda do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Embora a Ciência só o tenha descoberto agora, a existência desta nova espécie de peixe endémica da bacia hidrográfica do Sado pode estar já ameaçada.

Com um nome científico pensado para homenagear a região de Setúbal – ou Caetobriga, como era designada pelos romanos –, o escalo-do-Sado é o mais recente representante dos peixes nativos de água doce de Portugal. Junta-se a uma família que contém outras espécies de escalos como o escalo-do-Arade (Squalius aradensis) que existe apenas nos rios do sudoeste algarvio, o escalo-do-Mira (Squalius torgalensis), que habita apenas nesse rio, ou o bordalo (Squalius alburnoides), cuja genética é há décadas estudada.

Foi precisamente a genética que ajudou a desvendar o escalo-do-Sado, já que há muito se desconfiava que esta linhagem seria diferente das restantes.

A nova espécie, escalo-do-Sado. Foto: Rúben Oliveira

A par dos dados genéticos, os investigadores recorreram à Tomografia Computorizada para analisar os ossos destes peixes, impossíveis de visualizar de outra forma, e comparar com as espécies já conhecidas.

“Estas comparações revelaram que a nova espécie do Sado tem características únicas que a distinguem das restantes espécies de escalos da Península Ibérica, por exemplo ao nível do número de escamas da linha lateral ou de certas características dos ossos do crânio”, explicou, em comunicado, Sofia Mendes.

A recolha e estudo de indivíduos nos afluentes do Sado foi amplamente superada pela análise de peixes que estavam nas coleções do Museo Nacional de Ciencias Naturales (MNCN, Madrid) num gesto de economia de recursos e de ética na investigação.

Para Sofia Mendes, “ao utilizar as coleções museológicas e ao contribuirmos para as mesmas, evitamos o sacrifício de mais animais quando este não é necessário e utilizamos exemplares que já estão ou que ficarão também acessíveis a outros investigadores”. O estudo vem assim realçar a importância destes espaços não apenas na promoção da cultura científica, mas também como depósitos de conhecimento capazes de conectar geografias, o passado, presente e futuro.

Carla Sousa Santos em trabalho de campo na bacia do Sado. Foto: Carla Sousa Santos

O futuro do escalo-do-Sado parece, contudo, incerto, já que a circunscrição dos peixes de água-doce às linhas de água que habitam os torna particularmente vulneráveis às ameaças. A bacia hidrográfica do Sado partilha as pressões com outras da região Mediterrânica, estando fadada a um regime de intermitência no caudal das ribeiras que secam no verão – reduzindo-se a pequenas poças desconectadas – e esperam pela próxima época chuvosa para se restabelecerem.

Além dos efeitos das alterações climáticas, que estão a aumentar a severidade e duração dos períodos de seca, a biodiversidade aquícola do Sado vê-se ainda a braços com a degradação do seu habitat devido à poluição, captação excessiva de água para a agricultura e introdução de espécies exóticas invasoras.

Esta descoberta resulta de um trabalho de equipa coordenado por Ignacio Doadrio (MNCN, Madrid) que, além de Sofia Mendes, integrou os/as investigadores/as Silvia Perea (MNCN, Madrid), Vítor Sousa (CE3C, Ciências ULisboa) e Carla Sousa Santos (MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente).

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

Don't Miss