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Cidadãos estão a criar uma reserva natural para a vida selvagem em Coimbra

10.07.2019

Em cerca de um hectare de floresta de carvalhos e castanheiros está a ser criada uma reserva natural local para a lontra, o texugo, o corço, a salamandra-lusitânica e dezenas de outras espécies.

Este refúgio de biodiversidade situa-se entre as localidades de Almalaguês e Rio de Galinhas, a 15 minutos de carro da cidade de Coimbra.

Trata-se da parte central de uma encosta onde abundam os carvalhos-alvarinhos e os castanheiros e por onde corre uma ribeira.

Na encosta, um sobreiro isolado é rodeado por um mar de folhosas onde dominam o carvalho-alvarinho e o castanheiro.

Ali vivem espécies que só ocorrem na Península Ibérica – como a salamandra-lusitânica e o lagarto-d’água – e espécies emblemáticas da floresta, como o veado, o corço, a gineta e o texugo.

Estes e outros animais partilham aquele espaço com, pelo menos, 70 espécies de aves, desde mochos e corujas a águias, rouxinóis, guarda-rios, chapins e pica-paus.

Chapim-azul. Foto: Ann/Pixabay

“Depois de vários meses de prospecção no terreno encontrámos neste local as condições ideais que procurávamos”, contou à Wilder Manuel Malva, 23 anos, fotógrafo de natureza e estudante de biologia na Universidade de Coimbra.

Manuel Malva é o presidente da MilVoz – Associação de Protecção e Conservação da Natureza, criada em Maio de 2019 por cidadãos para dar voz ao património natural da região de Coimbra. 

Recanto dominado pelo carvalho-alvarinho e pelo ulmeiro, o que proporciona um ambiente fresco e acolhedor

A 16 de Maio, a associação lançou a campanha de crowdfunding “Ajuda a criar a primeira RESERVA NATURAL MilVoz” para angariação de fundos. A campanha termina a 12 de Julho mas o objectivo de reunir 3.000 euros já foi ultrapassado, chegando agora a mais de 3.900 euros.

“Este local tem habitats muito ricos e diversos e uma floresta nativa plena em biodiversidade”, disse Manuel Malva. “A diversidade de espécies e habitats dentro deste espaço é impressionante.”

Lagarto-d’água. Foto: Dgilperez/Wiki Commons

Além disso é facilmente acessível à comunidade, um aspecto importante, uma vez que “um dos grandes objetivos deste projeto é aproximar as pessoas da natureza e da biodiversidade da região”.

Abrigos para morcegos, charcos para anfíbios

Entre as “pérolas” desta reserva está a “notável diversidade de flora nativa” e as “populações bem estabelecidas de algumas espécies ameaçadas, endémicas da Península Ibérica, e cuja conservação é prioritária”.

Segundo Manuel Malva, o grande objectivo é gerir o espaço “em prol da conservação da biodiversidade”, envolvendo a população. 

Caminhos antigos permitem percorrer a encosta por entre a floresta.

“Pretendemos começar a gerir o espaço já este Verão, começando por melhorar o trilho pedestre que percorre parte da encosta, para tornar mais agradável a sua utilização e usufruto. Com este trabalho concluído e a sinalética interpretativa colocada, daremos então início à gestão ambiental”, explicou. 

Mais concretamente, a associação pretende ajudar a floresta que já existe a continuar a desenvolver-se, favorecer espécies vegetais mais raras ou menos representadas e “recuperar zonas mais degradadas, que estão ocupadas por plantações de eucalipto e invasoras, que ameaçam a conservação deste espaço a médio prazo”, salientou Manuel Malva.

Rodeada por eucaliptais, esta encosta ainda mantém uma floresta nativa intacta

Vão continuar os trabalhos de inventariação e monitorização da biodiversidade e serão iniciadas melhorias nos habitats de várias espécies, como a colocação de caixas-ninho para aves, abrigos para morcegos e a criação de charcos para a reprodução de anfíbios.

A gestão da reserva “será feita, dentro das possibilidades da associação, pelos seus sócios ou por qualquer pessoa que se queira juntar a nós neste projeto ou nas atividades que iremos periodicamente desenvolver, e que serão sempre abertas ao público”.

MilVoz quer criar rede de mini-reservas

Esta será apenas a primeira de uma rede de mini-reservas que a associação quer implementar.

“Criar uma rede de mini-reservas foi desde cedo um dos nossos principais objetivos”, explicou Manuel Malva. “A única forma de preservar de forma segura e a longo prazo é adquirindo o espaço a preservar.”

Esta primeira mini-reserva pretende demonstrar os modelos de gestão que a associar quer replicar no futuro em outros locais, com habitats e espécies diferentes. 

Carvalho-alvarinho centenário.

A rede de mini-reservas começa mas não termina em Coimbra. “A natureza não tem barreiras físicas e a MilVoz também não. A maioria dos membros é da região de Coimbra, pelo que fez sentido, pela proximidade, Coimbra ser o nosso núcleo de atuação. No entanto, não fechamos portas a desenvolver projetos futuros fora da região.”

A MilVoz nasceu “da junção de um conjunto muito diverso de pessoas com os mesmos interesses e preocupações ambientais, com uma grande vontade em criar uma entidade que represente e dê voz ao património natural da região”.

De acordo com Manuel Malva, “o papel da sociedade civil é (…) dar o exemplo e mostrar que não é apática”.

“Iniciativas como esta estão totalmente dependentes do contributo de cada pessoa que se identifique com o que queremos proteger e desenvolver, já que este projeto nasce precisamente da vontade de um grupo de cidadãos comuns.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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