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Picanço-barreteiro (Lanius senator). Foto: Michele Lamberti/Wiki Commons

A Europa perdeu mais de 500 milhões de aves em 40 anos. A principal causa? Pesticidas e fertilizantes

Richard Gregory, professor honorário de Genética, Evolução e Ambiente na University College London, escreve sobre as principais descobertas de um estudo científico que liderou, enquanto investigador. E sugere que respostas se devem dar.

Um pequeno número de estudos que avisavam que a enorme variedade de seres vivos na Terra está a diminuir transformou-se numa enchente. As evidências destas perdas a nível regional e mundialmente são inegáveis. Mas os dados sobre a biodiversidade, e o que está a causar o seu declínio, são desiguais – ficam restritos a algumas causas, alguns lugares e algumas espécies. Esse não é o caso das aves na Europa, todavia.

As aves desde há muito que fascinam os cientistas amadores e profissionais, e uma forte cooperação dentro da Europa resultou num vasto conjunto de conhecimentos sobre os seus hábitos, necessidades e números. Algumas das bases de dados com esse género de informação, que funcionam há mais anos, dizem respeito a aves que vivem pelo menos uma parte das suas vidas no continente europeu.

Essa informação traduz-se numa imagem preocupante: estima-se que se perderam 550 milhões da população total de aves da Europa, mais ou menos nos últimos 40 anos. Essa é uma realidade chocante, e diz-nos algo profundo sobre a relação quebrada da humanidade com a natureza.

Os cientistas sabem que a biodiversidade está sob uma pressão crescente, especialmente devido às rápidas mudanças no uso da terra (de floresta para área agrícola, por exemplo) e aos aumentos de temperatura. Mas continuam a existir assuntos que geram desacordo: como é que as diferentes espécies respondem a essas pressões, qual delas é a mais importante, e como é que os conservacionistas podem responder para as aliviar.

A garça-boieira (Bubulcus ibis) é uma das aves das áreas rurais cuja população está a descer em Portugal. Foto: 0x010C/Wiki Commons

Aproveitando as vantagens das informações de grande qualidade sobre aves, um novo artigo científico que escrevi juntamente com investigadores franceses analisou como é que 170 espécies de aves têm respondido a pressões induzidas por humanos na Europa. Recorremos a dados recolhidos em mais de 20.000 locais de monitorização em 28 países ao longo de 37 anos, incluindo informação do Reino Unido e de Portugal.

Descobrimos que os químicos usados em quintas para controlar os insectos e as plantas que são vistas como daninhas, por poderem reduzir a rentabilidade das culturas, estão a privar muitas aves da sua principal fonte de alimento, e que essa é a principal causa do declínio dessas espécies na Europa.

As causas humanas da mudança

Analisámos quatro grandes fontes de pressão sobre as populações de aves: a intensificação agrícola (medida pelo uso elevado de pesticidas e fertilizantes), as alterações climáticas e a sua influência nas temperaturas, mudanças na cobertura florestal, e urbanização.

Os métodos agrícolas modernos foram a maior causa encontrada para o declínio da maioria das populações de aves – especialmente aquelas que se alimentam de insectos e outros invertebrados, como andorinhões, alvéolas-amarelas, papa-moscas-cinzentos e cartaxos. Já as respostas das aves às alterações da cobertura florestal, à urbanização e às alterações climáticas foram muito mais variáveis e específicas por espécies.

Entre 1980 e 2016, as aves comuns na Europa viram a sua abundância declinar em um quarto. Mas os números das aves do meio rural caíram para menos de metade durante o mesmo período. Houve também declínios tanto nas aves florestais como nas citadinas, em aves nortenhas, que preferem o frio, e mesmo em espécies de aves do sul, que preferem o calor. Ainda assim, a tendência geral neste último grupo de aves é de crescimento estável.

Uma das principais descobertas do estudo é que o grande uso de pesticidas e fertilizantes em quintas, em particular, é a principal causa dos declínios das populações de aves na Europa. Essa não é uma grande surpresa, pois muitos estudos chegaram a esta conclusão. Mas este é o primeiro estudo que olha numa só vez para as causas de origem humana, usando alguma da melhor informação disponível e métodos estatísticos modernos. Os resultados são claros.

O picanço-barreteiro (Lanius senator) tem sido uma das aves mais afectadas pela intensificação da agricultura, em Portugal. Foto: Michele Lamberti/Wiki Commons

As práticas agrícolas começaram a mudar significativamente depois da II Guerra Mundial, quando os países introduziram medidas para aumentar a produtividade das quintas agrícolas. Todavia, esses esforços para aumentar a produção, incluindo uma dependência crescente de pesticidas e fertilizantes, trouxeram com eles um custo significativo para as aves e outra vida selvagem – e de uma forma crítica, para a saúde global do ambiente.

Um relatório recente no Reino Unido descobriu que a perda de biodiversidade, em paralelo com as alterações climáticas, representa a maior ameaça no médio a longo prazo para a produção de alimentos no país. A perda de biodiversidade tem consequências para a sociedade que vão muito além das espécies em risco.

Acreditamos que as aves são afectadas principalmente pelos pesticidas e fertilizantes através da perda de comida, embora esses químicos lhes possam também prejudicar a saúde. Os pesticidas são concebidos para matar os insectos e invertebrados que as aves comem, enquanto que os fertilizantes mudam o tipo de plantas que crescem nesse ambiente, muitas vezes em detrimento de uma grande variedade de espécies. Os invertebrados precisam desta vegetação como alimento e como abrigo, e as aves também precisam dela – tal como dos invertebrados.

Lagarta da borboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon). Foto: AnRo0002/Wiki Commons

Os invertebrados são uma parte importante da dieta de muitas espécies de aves, mas são um combustível essencial para as crias em crescimento, que por sua vez funcionam como o motor para o crescimento populacional.

Os invertebrados são particularmente importantes durante o período de reprodução para mais de 80% das aves do nosso estudo. A perda dramática de insectos de que muitas vezes ouvimos falar parece estar a ter um impacto profundo sobre as aves.

Comida amiga da natureza

A questão aqui é como dar a melhor resposta. A natureza está em apuro no meio rural e no entanto, os agricultores podem ser uma importante parte da solução se forem apoiados pelas políticas certas.

Precisamos de um apoio muito maior para as práticas agrícolas que são amigas da natureza, e de nos afastarmos de uma agricultura dominada por pesticidas e fertilizantes inorgânicos. Isto seria bom para a natureza, para os agricultores e a produção de alimentos, para o clima, para os consumidores – e muitos agricultores progressistas estão a liderar esse caminho.

Os nossos resultados mostram também o poder da ciência cidadã e da cooperação através de fronteiras para fazer avançar a ciência e compreender melhor o mundo natural – e como mudar as coisas para melhor.

Agora, precisamos de governos por todo o mundo que apoiem esquemas de gestão da terra que recompensem práticas agrícolas amigas da natureza, como o compromisso de gerir pelo menos 10% da área agrícola para a natureza, o que por sua vez irá ajudar a manter ou mesmo aumentar as taxas de rentabilidade agrícola.

Mas precisamos também de uma reforma mais ampla do sistema alimentar, incluindo dietas que sejam amigas da natureza. Retalhistas, fornecedores e processadores que trabalham na produção de bens alimentares a partir dos produtos agrícolas podem todos fazer a sua parte para assegurarem um ambiente saudável que nos alimente e traga de volta a natureza -com todos os benefícios para as pessoas que isso irá trazer.

The Conversation

Este artigo foi traduzido para português a partir do artigo original publicado na The Conversation, com permissão do seu autor, Richard Gregory, que além de professor honorário na University College London, está igualmente ligado à RSPB – Royal Society for the Protection of Birds.


Saiba mais.

Recorde o mais recente relatório sobre “O Estado das Aves em Portugal”, produzido pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves a partir dos dados obtidos em censos de aves, aqui.

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