O Solstício celebrou-se há pouco, com madeiros a arder nos largos das aldeias do interior, e o Outono já lá vai. Mas a lembrança das suas cores ilumina ainda estes primeiros e breves dias de Inverno.
Mesmo nos dias mais luminosos do princípio do Inverno, os raios de Sol inclinados projetam longas sombras na paisagem, transformando-a numa manta de retalhos em tons de verde, castanho e cinza, apenas animada pelos brilhos da geada que persiste manhã fora.
Não foi assim há tanto tempo que os carvalhos e os castanheiros deixaram cair as últimas folhas no Caminho de Xisto do Casal de S. Simão.
Nos arredores da aldeia, os diospiros que ninguém colheu pendiam ainda nos ramos despidos e a erva-das-azeitonas, que ninguém aqui usa para temperar as ditas, florescia, viçosa, junto a muros enfeitados de “ruínas” (Cymbalaria muralis).
Lá muito em baixo, a Ribeira de Alge corria agitada por entre as famosas e imponentes Fragas quartzíticas que resguardam há milénios um esplenderoso bosque ripícula. Resquícios da floresta laurissilva, com veneráveis e nobres loureiros (Laurus nobilis), de troncos cobertos de musgos e fetos, e o raro azereiro (Prunus lusitanica), entrelaçam-se, com a ajuda das heras, sob o coberto de carvalhos (carvalho-negral, Quercus pyrenaica) ou mesmo de velhos sobreiros, esses mais arredados da linha de água. Vislumbres do que foi a floresta primitiva, que outrora ocupou grande parte de Portugal Continental, convivem aqui, ironicamente, numa curiosa harmonia, com as marcas da intervenção humana, as antigas levadas e azenhas, mas também as pontes, praia fluvial e passadiços dos tempos modernos.
O caminho de xisto leva-nos a uma pequena povoação onde, há quem diga, ainda se moem cereais: Além da Ribeira. Só o nome convida logo a atravessar a bucólica ponte, prometendo tesouros ou aventuras escondidos na margem de lá do pequeno vale verdejante, digno de um romance de J.R.R. Tolkien.
A partir daqui, o caminho é a subir, acompanhando para montante a Ribeira do Fato que acabou de se juntar à de Alge neste valezinho, e, por isso, faz-se devagar, respirando fundo o ar húmido. Assim, aprecia-se melhor a gilbardeira, a urze, os musgos e os líquenes, os altos castanheiros e os sobreiros que nem parecem sê-lo, com os seus troncos de onde nunca saiu cortiça; descobrem-se castanhas no tapete escorregadio de folhas, algumas já a tentar germinar, prímulas que ainda hão-de florir nos recantos mais sombrios.
Mas é quando a floresta se adensa e escurece que se acendem luzes mágicas. O caminho de xisto ilumina-se de cores vivas: vermelhas, que a princípio se confundem com frutos de medronheiro caídos, laranjas, amarelas, brancas… saídas do misterioso reino dos fungos. Os tesouros descobertos são cogumelos dos géneros Hygrocybe (vermelho vivo e laranja), Amanita (o amarelo Amanita gemmata), Boletus, Otídea (em forma de orelha), Trametes (Trametes versicolor) e o gigante Gymnopilus junonius… entre tantas outras maravilhas deste que é, para nós, um reino inescrutável.
O que sabemos, e sentimos, é que a floresta, para se manter saudável, como aquela que aqui vimos, precisa da cooperação recíproca com estes seres de aparência frágil, mas de grande resistência e vidas complexas, trocando nutrientes com as espécies vegetais à sua volta (no caso dos fungos simbióticos ou micorrízicos) ou reciclando matéria orgânica e controlando os agentes patogénicos (no caso dos fungos saprófitas, que decompõem manta morta).
A este caminho de xisto, aparentemente, não chegou ainda a moda dos grandes “passeios micológicos”, nos quais, com a desculpa da tradição ou do seu contrário – a nova gastronomia –, são colhidos a eito centenas de quilos de cogumelos, tanto comestíveis como tóxicos (a avaliar depois!), esquecendo-se que o cogumelo é precisamente a estrutura reprodutora do fungo que se espera continuar a encontrar no ano seguinte.
O regresso a casa e ao Inverno faz-se já com saudades antecipadas. Resta-nos esperar que volte a fazer-se luz nos próximos Outonos.