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O começo da expedição naturalista de Luísa

26.07.2017

Foram as descrições naturalistas de Henry Thoreau, a curiosidade e espírito aventureiro de Charles Darwin e os poemas de Mary Oliver que mais me inspiraram nos registos de natureza pelo mundo fora.

 

A arte da história natural com a observação e registo gráfico das espécies e dos habitats envolve o ilustrador directamente no que observa. Este recria o que vê, o que reforça as suas impressões com as descrições escritas. Este processo criativo está no cerne da observação da natureza e ajuda a tornar esta experiencia vívida e duradoura na memória de qualquer um que o deseje apreciar.

 

 

Um naturalista moderno não é mais alguém que vai dominando nomenclatura. É sobretudo tentar conhecer a flora e fauna de um local como pedaços de um mistério inescrutável, cada vez mais profundo, uma unidade de organismos. E mais fascinante ainda que conhecê-los é perceber com se relacionam e como dependem uns dos outros na história intricada que é a ecologia.

Muitas vezes começa-se por meros registos, ilustrados ou fotográficos, que nos chamam a atenção. Um céu com cores especiais, a coloração de determinadas flores e folhas ou o comportamento da fauna. Mas depois também outras percepções diferentes como as atmosferas; um dia frio, um dia ventoso, a escuridão, o ruído da uma catarata. E quando os outros sentidos percepcionam num todo, parece que surge também a vontade de escrever. Daí até ao gosto pelos registos diários vai muito pouco e lentamente procuramos conexões entre o que observamos e registamos, sendo levados a seguir as etapas do processo científico e estabelecendo assim as nossas experiências.

 

20 de Março 2017, na Beira Baixa

Havia começado o meu percurso em Fevereiro e tinha planeado um rascunho dos locais por onde iria passar, mas acabei por alterá-lo sempre que um desvio o justificou. Uma tenda, uma máquina fotográfica e um caderno de desenho para pintar e escrever. Na mochila “vão” memórias de muitos anos explorando o meio natural.

A Primavera na Beira Baixa é uma manifestação única de esplendor. Os horizontes repletos de campos floridos revelam-se subitamente, depois de um inverno letárgico. A água corre por serras trazendo biodiversidade a todas as ribeiras e rios.

O silêncio do campo profundo quebra-se apenas pelo canto de tantas aves. As brisas são amenas, doces e perfumadas de aromáticas.

Aqui começa uma expedição ao mundo natural do interior, na Beira Baixa. Um ano por todas as estações, caminhando por serras e campinas, rios fortes e riachos frágeis e uma flora e fauna das mais ricas de Portugal…

 

23 de Março de 2017:

Vem chuva. O céu cor de chumbo e o verde vivo do coberto de herbáceas estende-se até à linha do horizonte. As andorinhas já chegaram, hoje voam baixo com a aproximação da tempestade. Os primeiros relâmpagos surgem ao longe e espreito recolhida na tenda. Vêm de Este e rompem em diferentes direcções.

Faz se silêncio entre as aves. As primeiras gotas caem fazendo ricochete no solo endurecido, pequenos pedaços de lama salpicam as folhas, efeito que não se observa nos trevos, onde as gotas de água não se fixam, nem tão pouco os grãos de terra por esta projectados. O efeito repelente da água nas folhas dos trevos faz-me lembrar quando se partiam os termómetros de mercúrio e as gotas se espalhavam como magnetizadas.

Fico na tenda a ver chover e a observar os efeitos do impacto das gotas; como moldam o solo, como são mais ou menos absorvidas por este, como se prendem no vértice de uma folha. Penso nesta dinâmica como uma intricada rede de “conversas” entre a água e o que esta toca quando cai.

Pequenos caracóis estendem-se destemidamente da sua concha espiralada, a chuva troca-lhes o período de actividade e desta vez saem de dia em vez de noite.

Os musgos que cobrem as pedras de um muro de granito são resquícios do inverno que em breve desaparecerão. As águas da Primavera vão aguentá-los mais tempo e com estes muitas formas de vida que crescem como um microcosmos que nos passa despercebido.

Olho este mundo através de uma lente para ver as estruturas turfosas do Bryum alpinum (musgo) e os leques de Xantharia sp. um líquene amarelo vivo que se destaca muito. Se ficasse mais tempo descobriria muitos artrópodes (insectos, aranhas…) e possivelmente alguns répteis e anfíbios. Mas já parou de chover e quero continuar antes que anoiteça…

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Luísa Ferreira Nunes está a fazer uma expedição pela Beira Baixa, até ao final do ano. À procura de tesouros naturais que regista em texto, desenho, fotografia e vídeo. Acompanhe as suas viagens aqui na Wilder.

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