As plantas são, sem dúvida, um conjunto de seres vivos peculiar. Fascinantes para uns e desinteressantes para outros, a verdade é que as plantas são muitas vezes esquecidas quando exploramos o fantástico mundo natural. Temos uma clara tendência a nos atrair mais facilmente pelo mundo animal. Mas as plantas são também elas fascinantes e, no caso das Espécies Lázaro, podem mesmo ser aquelas com as histórias mais incríveis e bizarras!
No Monte Diablo, na Califórnia, encontramos a nossa primeira espécie ressuscitada, a pequena planta de flor rosa Eriogonum truncatum, endémica da região.
William Henry Brewer foi um botânico americano e o primeiro director do departamento de agricultura da então Sheffield Science School, da Universidade de Yale. Em 1862 ele encontrava e descrevia pela primeira vez a espécie que ficou comummente conhecida na região por Mount Diablo buckwheat.
Desde a descrição de Brewer por apenas sete vezes foi registada a observação desta pequena planta, que mede entre 15 e 75 cm de altura. O trabalho de Mary Leolin Bowerman em 1936, responsável por dois dos sete registos, marcou as últimas referências à espécie e desde então foram numerosas as expedições sem sucesso na localização da E. truncatum.
A 10 de Maio de 2005, um estudante da Universidade da Califórnia, Michael Park, enquanto realizava um estudo florístico no Monte Diablo, apercebeu-se que estava rodeado por plantas de pequenas flores rosa no início da floração. Subitamente compreendeu que se tratava da considerada extinta espécie descrita por Brewer há século e meio. Mas em vez de se apressar a partilhar a sua descoberta, Michael Park teve uma reacção imprevisível. O choque foi tal que, como ele disse numa entrevista, “fingi que não estavam ali e continuei com o meu trabalho”.
Seguiu-se a partilha com os colegas e a confirmação de que realmente se tratava da pequena planta desaparecida há quase 70 anos. No mesmo mês foi feito o anúncio oficial e a notícia correu o mundo. A colheita de sementes foi iniciada e a reprodução no Jardim Botânico da Universidade da Califórnia deu os primeiros passos.
A monitorização e protecção da área onde a planta foi encontrada tem permitido o aumento do número de exemplares no estado selvagem e, embora ainda seja considerada criticamente em perigo, o seu futuro é hoje bem mais promissor.
Do Oeste Americano viajamos para as pequenas Ilhas Mascarenhas, nome que homenageia o explorador e administrador colonial português Pedro Mascarenhas, em pleno Oceano Índico. As ilhas Maurícias e Reunião serão por ventura as mais famosas destas ilhas, mas é na pequena ilha de Rodrigues que encontraremos a nossa história.
O nome da ilha vem do navegador português Diogo Rodrigues que a descobriu em 1528, muito embora os povos árabes do leste de África já conhecessem a ilha muito tempo antes das explorações europeias. Com apenas 108 km2, nesta ilha sobrevive o único exemplar de Ramosmania rodriguesii.
A planta, que cresce até aos 2 metros de altura, é exclusiva da ilha de Rodrigues. Sendo incapaz de autopolinização, esta espécie está em sérios apuros visto que apenas um exemplar se encontra vivo, tendo ficado conhecido por “o morto-vivo”.
Foi introduzida ao mundo da ciência por um desenho de um europeu desconhecido que visitou a ilha em 1877 e depois de ter sido observada algumas vezes desapareceu. Desde a década de 1940 que nenhuma planta era encontrada.
Foi então em 1979 que um estudante de liceu, Hedley Manan, encorajado pelo seu professor Raymond A-Keeh, se lançou na procura de plantas raras. Nas suas explorações, Hedley encontrou a única sobrevivente desta espécie e rapidamente a notícia chegou aos botânicos dos Kew Royal Botanic Gardens, em Londres.
Em 1986, numa colaboração entre o jardim botânico, a União Internacional de Conservação da Natureza (UICN), o Serviço Florestal das Maurícias e uma conservacionista local, Wendy Strahm, foram cortados dois ramos da pequena árvore e levados para os laboratórios em Londres. A equipa londrina, graças a Dave Cook, teve sucesso em criar raízes num dos ramos e nasceu assim a primeira planta fora de Rodrigues.
Apesar do sucesso, parecia impossível induzir a planta a criar sementes. Nem o exemplar selvagem nem os já vários exemplares em Londres pareciam capazes de produzir sementes, isto apesar de apresentarem floração constante.
Foi em Agosto de 2003 que um exemplar produziu sementes em Londres mas a germinação das mesmas revelou-se um insucesso. Isto levou Carlos Magdalena, um botânico dos jardins londrinos, a procurar compreender o que teria levado aquela planta a, subitamente, produzir fruto e sementes.
Após compreender que tal era induzido por factores ambientais, foi possível controlar o processo e em 2008 mais de 50 frutos já haviam sido produzidos. O processo de germinação das sementes começou também a ter sucesso e existem hoje várias dezenas de R. rodriguesii no jardim botânico da capital inglesa.
A quase extinção desta espécie deveu-se sobretudo à introdução de cabras e porcos na ilha e o último exemplar selvagem teve de ser protegido com um total de três vedações que impediam o acesso ao mesmo. Mas a protecção não foi colocada devido aos animais mas sim devido aos habitantes. A raridade da planta rapidamente criou o mito de que teria propriedades curativas, o que levava várias pessoas a arrancarem pedaços da pequena árvore.
Regressamos ao norte do continente Americano para a última história dos renascimentos da botânica. E é talvez a mais bizarra história do regresso dos mortos pois trata-se de uma espécie de cultivo, o melão de Montreal, no Canadá.
Podendo chegar aos 9 kg, este melão era muito cultivado no final do século XIX, e foi uma das principais produções agrícolas da região de Montreal até à 2ª Guerra Mundial. O seu negócio era de tal forma rentável que no início do século XX o preço de um melão podia atingir $1,75 e nos restaurantes de Nova Iorque podia chegar a custar $1 a fatia!
Com o crescimento urbano de Montreal e a evolução da agricultura para uma produção em massa, este fruto de cultivo difícil foi começando a ser esquecido. Da sua grande produção na primeira metade do século XX passou a extinto na segunda.
Mark Abley, um poeta de Montreal, leu um artigo em 1991 sobre o melão de Montreal. Nesta altura o melão não estava esquecido apenas da agricultura canadense mas também da memória colectiva da região. O poeta foi então ao encontro de um agricultor peculiar, Ken Taylor, doutorado em química e por 35 anos professor no John Abbott College.
Os dois decidiram ressuscitar o melão mas faltava um bem essencial: sementes. Em 1996 descobriram que um banco de sementes mantido pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, no Iowa, tinha sementes do outrora famoso melão. Juntos fizeram História e a notícia foi contagiando outros.
Hoje o melão é bastante cultivado, principalmente em produção familiar. São já sete as empresas de sementes canadenses a vender sementes deste fruto. De esquecido e extinto passou a paixão. Hoje encontra-se longe de ameaçado, quanto mais não seja porque, mesmo que um dia nos voltemos a esquecer de plantá-lo, teremos sempre uma boa reserva de sementes para quando a paixão, a curiosidade ou a saudade voltar.
[divider type=”thick”]Sobre o autor:
Gonçalo Prista é doutorando da Universidade de Lisboa, em Ciências do Mar, e membro da Sociedade de História Natural de Torres Vedras. Trabalha nas áreas de paleoceanografia e paleontologia.
Desde Fevereiro este investigador escreve para a Wilder sobre as Espécies Lázaro. Pode ler e reler aqui a sua série de crónicas “Extintas por engano”.