Dias com Vida Selvagem: Peneda-Gerês, a realidade que supera o mito

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O Parque Nacional da Peneda-Gerês foi criado há 50 anos e as celebrações decorrem até 8 de Maio de 2021. Até lá, Miguel Dantas da Gama, profundo conhecedor desta área protegida, vai aproximar-nos deste recanto único no nosso país.

Portugal dispõe de poucos espaços como o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) para desenvolver projectos ambiciosos de conservação e de preservação da natureza.

Em causa estão setenta mil hectares de um território que poderá e deverá com urgência ser ampliado com a integração de mais alguns milhares em parte dos actuais limites desta área protegida. Os trinta mil que do lado espanhol com ela confinam, também classificados, engrandecem um valioso espaço montanhoso fronteiriço.

Pensar numa abordagem de longo prazo com a preocupação de garantir a integridade futura do território que compõe o PNPG, é o que mais uma vez me motiva a explorar, defender, propor, debater, neste assinalar do seu 50º aniversário. 

Anemone trifolia subsp. albida. Foto: Miguel Dantas da Gama

Se há sector de actividade que mais exige visão estratégica, intervenção persistente e paciente, é o da recuperação da natureza, principalmente em territórios muito alterados pelo homem.

O caráter nacional de que só a Peneda-Gerês foi merecedora no contexto da rede das áreas protegidas portuguesas exige uma visão global para todo o seu espaço, que contrarie intervenções sectoriais, municipais, destruidoras desta unidade e impeditivas do nível de conservação da natureza inicialmente sonhado e que ao fim de cinco décadas continua por alcançar. Infraestruturas humanas impactantes como são novas vias rodoviárias, são ameaças mais uma vez latentes, que urge contrariar.

Quem realmente conhece o estado real desta área protegida em toda a sua extensão, não se ficando pelos limites da Mata de Albergaria e por uns outros escassos redutos nos extremos ocidental e oriental do PNPG, é obrigado a reconhecer a delapidação profunda a que o interior das serras que o constituem se encontra sujeita. O relevo continua imponente mas não consegue disfarçar a fortíssima devastação do coberto vegetal e a consequente forte erosão do solo, predominantes em áreas significativas do território. 

Quando se pretende evidenciar a singularidade do «Gerês», o que normalmente é apontado são os endemismos, os endemismos do noroeste peninsular, o caráter raro, no contexto nacional, de determinadas espécies, principalmente do reino vegetal. A mistura de influências climáticas que confluem na região, proporcionou, de facto, uma grande concentração de plantas e, consequentemente, de animais, numa grande diversidade de «habitats» beneficiados por um relevo acidentado e uma razoavelmente generosa amplitude altitudinal. 

Mas se olharmos o território como um todo, rapidamente verificamos que muitas dessas ocorrências são raras, dispersas, muito fragmentadas e por isso empobrecidas e diminuídas, nalguns casos ameaçadas de desaparecimento. Se a situação da Peneda-Gerês aparenta ser melhor aos olhos da maioria de quem o visita, é porque o território do noroeste português, que o rodeia, se encontra ainda mais degradado. 

Aquilegia vulgaris subsp. dichroa. Foto: Miguel Dantas da Gama

Evoca-se a ocorrência dos lírios-do-Gerês, dos teixos, dos pinheiros-silvestres, mas estas preciosidades não bastam para dar corpo ao projecto que há cinquenta anos foi idealizado. Um verdadeiro parque nacional é algo grandioso – em Portugal único – que não pode ser encarado como um grande jardim botânico por mais cuidados que alguns dos seus espaços possam (parecer) merecer e nos quais uma maioria desconhecedora se concentra a usufruir. A natureza não «funciona» melhor só pelo facto de agradar mais ao olhar humano, um parque nacional não pode ser um mero somatório de preciosidades.

É neste contexto que importa alertar que no PNPG existem muitas espécies que não sendo raras num contexto alargado, internacional, ocorrem nele de uma forma muito fragilizada não contribuindo por isso a sua presença, para um efectivo enriquecimento e consolidação de «habitats» vitais também para espécies animais que se tornaram raras ou que por isso se extinguiram.

Concretizando com o estrato arbóreo de cujo estado de conservação dependem uma infinidade de plantas em andares diversos de vegetação, é sabido que teixos e azevinhos são acompanhantes preciosos dos carvalhos que caraterizam os bosques nativos. Mas ter-se-á noção de que espécies de árvores nada ameaçadas por essa Europa fora, nomeadamente nas montanhas da nossa vizinha Espanha, são na Peneda-Gerês escassas, com uma distribuição reduzidíssima mas de uma importância vital para a manutenção de verdadeiras florestas e de populações de animais selvagens que também não estando em risco num contexto mais alargado, desapareceram ou raramente ocorrem na Peneda-Gerês. Árvores tão comuns como macieiras ou sorveiras, aveleiras ou azinheiras e animais como martas e gatos-bravos. 

Serra do Gerês. Foto: Miguel Dantas da Gama

Por norma, tendemos a olhar o presente ignorando o que no passado se foi perdendo e, mais grave, não tendo a ambição de voltarmos a ter num futuro necessariamente algo distante. E este «necessariamente algo distante» é o que mais penaliza a mudança, porque pouco se aposta no investimento de longo prazo que a natureza requer. Atendendo à profundidade dos danos infligidos, é inevitável uma longa travessia do deserto antes que surja o resultado do enorme esforço a despender. 

Aos científicos, aos puristas como eu gostaria de continuar a ser há que recordar que o território foi fortemente intervencionado pelo homem. Aos impacientes e apressados há que recordar os erros cometidos no passado. Todos nós devemos ter consciência da extremamente urgente necessidade que há em ir aos últimos e diminutos redutos de vegetação sobrevivente e a partir daí replicar, expandir, o que lá resta. 

Serra do Gerês. Foto: Miguel Dantas da Gama

Disseminar espécies botânicas fundamentais para a recuperação de equilíbrios naturais, num esforço suportado em recolhas cirúrgicas de sementes cada vez mais raras, é um trabalho apaixonante que faz todo o sentido sugerir neste momento de balanço de meio século de vida do único parque nacional português.


O Parque Nacional da Peneda-Gerês foi criado a 8 de Maio de 1971. Hoje abrange os concelhos de Arcos de Valdevez, Melgaço, Montalegre, Ponte da Barca e Terras de Bouro. As matas do Ramiscal, de Albergaria, do Cabril, todo o vale superior do rio Homem e a própria serra do Gerês são um tipo de paisagem que dificilmente encontra em Portugal algo de comparável.

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