“Ocean With David Attenborough”, que estreou este mês no Reino Unido e que chega à televisão em Junho, é um filme que ambiciona influenciar Governos para a conservação real do oceano e levar uma mensagem de esperança ao maior número de pessoas. A Wilder entrevistou Toby Nowlan, um dos realizadores, e Enric Sala, investigador e consultor científico.
(Leia aqui a versão em Inglês)
Enric Sala, 56 anos, é um biólogo marinho apaixonado desde sempre pelo mar. Mas, a dada altura da sua carreira na investigação marinha apercebeu-se de que estava mais dedicado a descrever a morte do oceano do que a oferecer uma cura. Mudou de rumo. Em 2008 criou a iniciativa National Geographic Pristine Seas e desde então tem estado por detrás da criação de 29 áreas marinhas protegidas por todo o mundo.
Esta semana, a Wilder fez uma entrevista online a Enric Sala, a propósito do filme “Ocean With David Attenborough”, projecto do qual fez parte.
Ao lado de Enric Sala nesta entrevista digital está Toby Nowlan, um dos realizadores e produtor do documentário. Produtor na Silverback Films, há 20 anos que Toby ajuda a criar séries de História Natural, incluindo Planet Earth II e Our Planet. Trabalha com David Attenborough há 16 anos. Mas este filme, mudou a sua maneira de ver o oceano.
WILDER: Disse que este filme é muito diferente, não se trata de filmar novos comportamentos de História Natural mas sim de contar histórias sobre problemas e soluções. Será esta uma tendência para se manter e moldar a indústria dos documentários de vida selvagem?
Toby Nowlan: Esta é a história mais importante que David Attenborough alguma vez nos contou. Não é um episódio de uma série para televisão, é um evento cinematográfico, feito para o grande ecrã, filmado nos mares dos sete continentes. Cada pessoa que fez parte deste filme quis criar um momento no tempo em que pudesse gerar uma mudança real, criar algo mesmo especial. Em termos de problemas e soluções, quem sabe se esta será uma nova tendência? Espero que sim e penso que o deveria ser. Penso que a nossa indústria precisa de mudar; a forma como passamos mensagens precisa de mudar. Para mim, aquilo que é mesmo entusiasmante neste filme é a esperança que nos dá. E isso parece ser mesmo diferente. Foi só quando comecei a fazer este filme que me apercebi o quão capaz é o oceano de conseguir uma recuperação espectacular. Se protegeres uma área do oceano, os efeitos serão muito maiores e mais rápidos do que em terra. Há vida a inundar as áreas em volta, de uma forma mesmo espectacular. E esse processo é tão, tão, entusiasmante. Quando nos apercebemos da dádiva dessa esperança, dessa solução global, tornou-se claro que a narrativa deste filme não iria ser sobre novos comportamentos específicos de História Natural. Este filme é mais urgente e, francamente, maior do que isso.
W: Será que este filme tem uma mensagem poderosa o suficiente para influenciar o resultado da Conferência das Nações Unidas para os Oceanos, a realizar em Nice, França, em Junho?
Enric Sala: Ah, ah (risos). Penso que a mensagem é poderosa o suficiente. É muito claro que proteger áreas de pesca zero beneficiam todos, incluindo o lobby da pesca que é o primeiro a opor-se a isso. Já sabemos há muito tempo que proteger os 30% certos do oceano vai beneficiar-nos a nós e à vida marinha, vai criar empregos, melhorar as economias costeiras, melhorar a resiliência climática, etc. Como disse o Toby, planeámos usar este filme como uma ferramenta poderosa para mostrar aos decisores políticos por que a protecção da natureza é boa para toda a gente. Tínhamos a Ciência, tínhamos a Economia, todas as coisas racionais. Tínhamos tudo isso. Mas o que este filme faz é falar ao coração. Já o estamos a usar para tentar influenciar alguns compromissos na Conferência das Nações Unidas para os Oceanos. Já estamos a ter conversações com Governos sobre um compromisso para proibir a pesca de arrasto em áreas marinhas protegidas.
W: A Grécia anunciou essa proibição até 2030…
Enric Sala: Sim, e a Suécia e a Dinamarca fizeram compromissos semelhantes. Estamos a trabalhar com vários Governos europeus e esperamos que existam outros que queiram fazer aquilo que é certo, que é inteligente. Porque a pesca de arrasto não beneficia ninguém, nem mesmo a indústria pesqueira.
W: E qual tem sido o feedback das pessoas até agora?
Toby Nowlan: Tem sido excepcional. Estamos nas nuvens. O filme tem quebrado recordes de bilheteiras no Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia e tem tido algumas críticas maravilhosas – temos tido muita sorte, conseguimos cinco estrelas no The Guardian, o que é difícil de conseguir (risos). Curiosamente, a reação nas redes sociais tem sido mesmo fascinante. Há uma semana lançámos um clip de 90 segundos com a sequência da pesca de arrasto e que já tem milhões de visualizações. Esta questão parece estar mesmo a ter um significado nas pessoas; já foi levada ao Parlamento britânico duas vezes e os deputados já foram confrontados com este tipo de pesca. Sei de conversas sobre protecção marinha que aconteceram por causa deste filme na Islândia, por exemplo. Os efeitos (do filme) no terreno estão a começar a aparecer, é mesmo entusiasmante.
W: Qual a coisa mais difícil para o Toby testemunhar durante as filmagens e qual a que lhe deu mais esperança?
Toby Nowlan: Maravilha. Certo. Qual a coisa mais difícil de filmar ou de presenciar?
W: Ambas
Toby Nowlan: Bem, penso que a coisa mais difícil de filmar foi, provavelmente, o mar aberto, no meio do oceano Atlântico, para a sequência do monte submarino no primeiro capítulo do filme. Muitas vezes quando filmamos em mar aberto passam-se semanas em que vemos muito, muito pouco. Estás nesta vasta extensão de azul, em condições por vezes desafiantes, e depois, tudo acontece de repente. Subitamente só tens uns minutos para responder. E de cada vez, o que está a acontecer pode ser diferente.
Por exemplo, no Atlântico podes ver no horizonte uma nuvem distante de cagarras a voar em espiral sobre o mar. Se chegares lá a tempo, poderás ter a sorte de mergulhar no meio de dezenas de atuns-rabilhos do tamanho de pequenos carros, três vezes maiores do que os golfinhos que se estão a alimentar à sua volta, em redor de um cardume de cavalas que sobem do monte submarino. Ao mesmo tempo, tubarões-azuis (ou tintureiras) que passam por ti e encalham na tua nuca (tubarões muito amigáveis e curiosos) e baleias-sardinheiras e baleias-anãs a nadar por ali. Mas de cada vez é diferente e precisas de responder de forma muito, muito diferente. Lanças o semi-rígido na água ou pões os drones no ar? Ou mergulhas no oceano? Em termos do que teve mais impacto em mim, foi quando vi pela primeira vez no ecrã as imagens da pesca de arrasto e a verdadeira destruição dos fundos marinhos. Apercebi-me mesmo do quão violento é este processo. Acredito que ninguém consiga imaginar sem ver. É por isso que a pesca de arrasto tem continuado inalterada e sem ser questionada por tanto tempo. Simplesmente as pessoas nunca o viram. Em termos de esperança. Há um lugar que me tocou mesmo. Adoro as minhas aves, sou uma espécie de birdwatcher obcecado. Para mim, nada é mais excitante do que um albatroz. A maior ave voadora do planeta e a que vive mais tempo é o albatroz-de-laysan. Estávamos a filmar um lugar espectacular chamado Papahānaumokuākea Marine National Monument, no Havai, no coração do Oceano Pacífico.
E este lugar registou a recuperação mais espectacular como resultado de uma protecção estrita da natureza; estes albatrozes passaram da quase extinção para serem uma das maiores colónias de albatrozes na Terra. E esses efeitos também estão a acontecer no oceano. Por isso, protegermos um vasta área marinha vai trazer efeitos absolutamente incríveis e isso enche-me de esperança.
W: A pesca de arrasto é um dos problemas do oceano. Mas há outros, como o aquecimento das águas marinhas e a acidificação. Podemos resolver estes problemas criando áreas protegidas marinhas ou é algo demasiado grande para ser resolvido?
Enric Sala: Não há uma solução que resolva tudo. Muitos problemas, muitas soluções. Penso que os três maiores problemas do oceano são o aquecimento global, que torna o oceano mais quente e mais ácido, a sobre-pesca e a poluição. Claro, a poluição por plásticos é horrível mas há muitos outros poluentes que não conseguimos ver e que são também um problema. A única maneira de reduzir o aquecimento global é reduzir as nossas emissões de dióxido de carbono. Ponto. Precisamos reduzir as nossas emissões e precisamos que a natureza nos ajude. Porque restaurar ecossistemas na terra e no oceano pode ajudar-nos a absorver um terço das nossas emissões. Por exemplo, e isso vês no filme, nas áreas protegidas, os peixes fazem o seu trabalho e ajudam os corais a recuperar.
O que a protecção da natureza faz é comprar-nos tempo enquanto, espero, nos dirigimos para a neutralidade carbónica. São dois lados da mesma moeda. Não podemos resolver o problema do aquecimento global sem a natureza e não podemos salvar a natureza sem resolver o aquecimento global.
W: Mas com tanto a acontecer hoje no mundo, nomeadamente os conflitos e as guerras, estarão os oceanos fora da atenção das pessoas?
Enric Sala: Os oceanos nunca estiveram sobre tanta pressão. Nunca. Mas a natureza é sempre a última prioridade, certo? Porque nós humanos somos muito bons a ignorá-la. Tudo o que consideramos importante – como os mercados financeiros, a economia – baseia-se na nossa capacidade de viver no planeta Terra. E a única razão pela qual podemos viver no planeta Terra é por causa do mundo natural. O oceano tem absorvido tantos dos nossos impactos; as nossas vidas seriam mesmo, mesmo horríveis sem o oceano. Sem ele seríamos como o planeta Vénus, não existiria vida na Terra. Há uma falta de ligação entre o sistema que suporta a nossa vida e tudo o resto. Ainda assim, já há nações – como as Seychelles, Colômbia, o Chile, a Costa Rica ou o Palau – que já protegem 30% ou mais das suas águas; é extraordinário que estas nações tenham tido a sabedoria para o fazer.
O mundo até pode não acreditar que estamos a viver uma crise, mas a verdade é que, por causa das alterações climáticas, nunca tivemos uma crise global como esta, com esta urgência. O aquecimento do planeta não é algo que possamos desligar de um dia para o outro. É por isso que este filme é hoje mais importante do que nunca, é por isso que a mensagem de Attenborough é mais importante do que nunca e é por isso, mais do que nunca, que temos de trabalhar o mais possível para salvar o nosso oceano. Porque todas as nossas vidas e tudo aquilo que nos importa depende dele.
W: Nesta era de redes sociais em que há uma sobrecarga de informação e de imagens e em que tudo acontece mais rápido, considera mais fácil ou mais difícil chegar aos jovens e captar a sua atenção?
Toby Nowlan: Esta é uma pergunta mesmo interessante. Penso que nos temos de adaptar, garantir que o nosso conteúdo está a chegar a audiências mais jovens, que são cruciais para mudar o mundo. Fizemos um documentário cinematográfico de 90 minutos na esperança de que o maior número de pessoas o possa ver no grande ecrã ou na televisão. Mas também precisamos de garantir que um conteúdo mais curto possa chegar às redes sociais o máximo possível. Temos estado a tentar ajustar a uma estratégia em que lançamos clips curtos online.Por exemplo, o clip da pesca de arrasto está a ter um grande efeito. É muito, muito importante que as pessoas possam aceder ao nosso conteúdo em diferentes plataformas. Precisamos garantir que as nossas mensagens de esperança cheguem às redes sociais também.
W: Não resisto a perguntar. Como conseguiram captar as imagens da pesca de arrasto no fundo do mar?
Toby Nowlan: Boa última pergunta (risos). Sim, foi tecnicamente muito difícil. Tivemos de ultrapassar muitos desafios técnicos, entre eles ter de filmar com pouca luz, em profundidade, com águas muito rápidas, com muito movimento. E, claro, havia toda a violência do processo. Perdemos algumas câmaras. Foi muito, muito difícil. Passámos muito tempo a desenvolver esses equipamentos para vos trazer estas imagens. E tivemos muitas conversas e conseguimos a colaboração de pessoas da indústria para conseguir estas imagens inéditas.
W: Foi uma colaboração com o navio pesqueiro?
Toby Nowlan: Foi uma colaboração com a Marine Biological Association que estava a realizar um estudo para medir os efeitos da pesca de arrasto para apanhar vieiras. Eles usaram as imagens das câmaras para recolher dados. Ainda este ano vai sair um artigo científico com dados muito importantes para a conservação e pescas.