Banner

Epilobium montanum. Foto: Miguel Porto

Três novas espécies para a flora portuguesa descobertas em Trás-os-Montes

11.03.2024

Os investigadores Miguel Porto, Sara Lobo Dias e Paulo Alves assinam a descoberta dos primeiros registos de Achillea pyrenaica, Cuscuta europaea e Epilobium montanum, num artigo publicado recentemente na revista Acta Botanica Malacitana.

Estes são os primeiros registos destas três espécies em Portugal, descobertos em expedições feitas pelos investigadores nos últimos três anos. São espécies nativas que ainda não tinham sido registadas ou para as quais não havia provas fidedignas da sua existência. Isso deve-se, explicam os botânicos, provavelmente porque têm um território de ocorrência muito restrito e populações muito pequenas, pela falta de prospecção botânica na região ou porque são facilmente confundidas com outras espécies parecidas.

Segundo os investigadores – do BIOPOLIS-CIBIO, Sociedade Portuguesa de Botânica, da Estação Biológica de Mértola, da Escola Superior Agrária de Santarém, do cE3c (da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e do Floradata -, Trás-os-Montes tem uma diversidade florística “extremamente elevada”. No total estão registadas 1560 espécies nativas em Trás-os-Montes, representando cerca de 55% da flora nativa de Portugal Continental.

As margens dos rios nos vales do Norte estão entre as zonas menos conhecidas de Trás-os-Montes. Nos últimos três anos, os investigadores fizeram visitas botânicas a esses locais e descobriram três novas espécies para a flora portuguesa.

O objectivo desta investigação foi registar, de forma coerente, estas três novidades para a flora do nosso país. De alguma forma não foi uma grande surpresa, dada a sua proximidade a populações na região vizinha de Espanha e ao contexto biogeográfico.

A Achillea pyrenaica foi encontrada nas fendas das rochas graníticas e tufos de herbáceas do leito de cheia do rio Tuela, em Moimenta da Raia, a 765 metros de altitude. Esta é uma planta perene que vive em prados húmidos e nas margens de rios de montanha. Ocorre desde o Centro e Sul de França ao Norte de Espanha.

Achillea pyrenaica. Foto: Miguel Porto

“A ocorrência desta espécie em Trás-os-Montes não é uma surpresa devido à proximidade com as populações de Espanha,” escrevem no artigo científico publicado a 26 de Fevereiro passado. Mas, apesar dos vários esforços de prospecção ao longo do rio Tuela por várias ocasiões, esta planta só foi encontrada num local, numa área com não mais de quatro metros quadrados e com menos de 10 indivíduos. Nenhum espécime foi recolhido para ser guardado em herbário por aquela ser uma população extremamente pequena.

Segundo os investigadores, o habitat desta planta “é estável e bem preservado e não é esperado nenhum declínio”. A única pressão possível, ainda que não confirmada, é a destruição das plantas por quem for tomar banho ao rio. Os investigadores aconselham que esta espécie deverá ser classificada como Criticamente Em Perigo em Portugal devido ao número extremamente baixo de indivíduos.

A Cuscuta europaea foi encontrada em Montouto, a 857 metros de altitude, a parasitar uma urtiga-comum (Urtica dioica) sob coberto de uma floresta sombria e húmida no fundo de um vale. Esta espécie está bem distribuída pela Europa e pela Ásia, estendendo-se para Sul até Marrocos. Ocorre em margens de rios de montanha e tem preferência por parasitar urtigas.

Cuscuta europaea. Foto: Miguel Porto

A presença desta espécie em Portugal também não foi uma surpresa uma vez que ocorre a 20 quilómetros numa localidade espanhola. 

Apesar de a urtiga ser muito comum em Portugal, a Cuscuta europaea não foi encontrada em mais lugar nenhum, o que sugere que, de facto, é rara. Segundo os investigadores, são precisas mais expedições, em especial ao longo dos rios, para avaliar o estatuto desta população e a sua eventual ameaça em Portugal.

Por fim, a Epilobium montanum foi encontrada na orla entre um carvalhal sombrio e um lameiro abandonado na zona de Casares, a 874 metros de altitude e na margem do Tuela, a jusante da Ponte das Vinhas. Esta planta perene também tem uma boa distribuição na Europa, incluindo no Norte de Espanha onde é relativamente abundante. No entanto, ainda não estava citada para Portugal em nenhuma das Floras. Apenas existe um espécime, preservado em herbário, mas sem localização nem data, que foi colhido em Portugal pelo botânico alemão Johann Centuris Graf von Hoffmannsegg – que fez duas viagens a Portugal e que publicou , entre 1809 e 1840, a obra “Flore Portugaise ou description de toutes les plantes que croissent naturellement au Portugal“, (Flora Portuguesa ou descrição de todas as plantas que crescem naturalmente em Portugal) – e mencionado numa carta que este escreveu a 27 de Abril de 1801.

Epilobium montanum. Foto: Miguel Porto

A planta foi agora colhida e encontrada em várias localizações, dado que o seu habitat é comum na região. Não foram detectadas ameaças aparentes a esta espécie.

Porque ainda não eram conhecidas estas plantas para a flora de Portugal

Miguel Porto, investigador do CIBIO e da CIBIO e da Sociedade Portuguesa de Botânica, explicou hoje à Wilder que Trás-os-Montes “tem coisas absolutamente únicas; eu diria que, para alguém interessado em plantas, é a região número um a visitar”.

“Estes três novos achados nessa região já tão conhecida não vêm, de modo algum, pôr em causa o trabalho feito ao longo de séculos… mas sim mostrar mais uma vez que essa região é tão fantástica, que ‘nunca se acaba'”, acrescentou.

Na verdade, Trás-os-Montes “é até uma região muito estudada do ponto de vista da flora, pois há muito tempo que diferentes botânicos se aperceberam da unicidade dessa região em termos florísticos, e há campanhas de inventariação desde há muito”!

“Há uma mistura de razões para ainda não sabermos da existência destas três plantas. Em dois dos casos, são plantas que, tanto quanto se sabe agora, são extremamente pontuais. Achillea pyrenaica, por exemplo, foi encontrada apenas numa pequeníssima área que não chega a dois metros quadrados, e num número inferior a 10 indivíduos. Apesar de ter sido prospectada em habitats semelhantes ao longo do mesmo rio (Tuela), as buscas foram infrutíferas. Por isso, seria preciso alguém ir precisamente àqueles metros quadrados para a encontrar. Uma questão de sorte!”, explicou Miguel Porto.

“O mesmo poderia dizer sobre a Cuscuta europaea, mas esta ainda é mais inconspícua que a anterior, e dada a confusão com espécies semelhantes. As espécies do género Cuscuta são todas muito parecidas (e geralmente não muito fáceis de identificar), pelo que acredito que até já possa ter sido vista por olhos botânicos, mas passou despercebida. Basta não estarmos com a calma suficiente, para passarmos ao lado sem detalhar.”

Já o Epilobium montanum, “é mais frequente, aparece em vários locais, mas parece estar restrito a uma região concreta e remota de Trás-os-Montes. Não deve ter andado muita gente por ali a prospectar plantas, é fora dos circuitos normais. Além disso, um olhar mais apressado pode confundi-lo com outra espécie de Epilobium mais frequente. Por isso, também não é surpreendente que tenha escapado aos olhares dos botânicos”.

O investigador recordou o registo feito por Hoffmannsegg, que a terá colhido em Portugal por volta de 1800. Mas “nos seus escritos não há qualquer referência ao local onde ele a poderá ter encontrado, apenas que foi em Portugal. Não havendo testemunhos recentes da sua ocorrência em Portugal, a planta já não era sequer considerada na bibliografia actual, estava simplesmente desaparecida”.

Segundo a equipa de botânicos, “este trabalho salienta, mais uma vez, a importância de prospecções botânicas mesmo em áreas que poderíamos pensar já estarem bem estudadas, especialmente em hotspots biogeográficos”. 


Saiba mais.

Recorde aqui outra descoberta botânica de Miguel Porto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

Don't Miss