Foto: António Rivas/Programa de Conservación Ex-situ

COP15: Cinco imagens da natureza ameaçada em Portugal e dos esforços para a salvar

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A 15ª Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade começou esta quarta-feira. Fique a conhecer alguns desafios que Portugal enfrenta e o que está a ser feito – ou não – para os ultrapassar.

A principal ambição da COP15, que se vai prolongar até dia 19 em Montreal, no Canadá, é conseguir-se um novo acordo que estabilize o declínio de espécies até 2030 e reverta esta tendência até 2050. Com efeito, um relatório do Painel Intergovernamental sobre a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES) estimou, em 2019, que cerca de um milhão de espécies de animais e plantas estão em risco de extinção.

As mudanças no uso de mar e terra, a sobre-exploração de organismos, as alterações climáticas, a poluição e o aumento de espécies exóticas invasoras são consideradas as ameaças principais à biodiversidade. Portugal, onde muita da informação sobre espécies ameaçadas está desatualizada e está actualmente em revisão por diferentes grupos de cientistas, tem enfrentado diversos desafios importantes ligados a estes problemas nestes últimos anos. Alguns têm tido resposta, outros aguardam ainda. Aqui ficam cinco exemplos:

1. O lince-ibérico e a fragmentação de habitats

Lince-ibérico. Foto: MITECO

A pouco e pouco, o lince-ibérico (Lynx pardinus) tem vindo a regressar aos seus territórios históricos de distribuição, em Portugal e Espanha, depois de vários anos de esforços para o regresso deste felino de barbas aos dois lados da fronteira. Há duas décadas, o número de linces na Península Ibérica não ultrapassaria os 100 animais, e a espécie era dada como “pré-extinta” em território nacional.

Entre as maiores ameaças à sobrevivência da espécie, esteve (e está) a transformação de muitos dos seus habitats – manchas de matagal alternadas com áreas de pastagens – em zonas de produção florestal, em especial eucaliptais, e a devastação desses territórios por incêndios. A diminuição dos números de coelho-bravo, a principal presa deste predador, e a perseguição da espécie foram outras causas do problema.

Após um longo percurso de recuperação, que tem envolvido a recuperação de habitat e a reprodução em cativeiro nos dois países, o lince deixou em 2015 de ser considerado Criticamente em Perigo. Os últimos números divulgados, em Junho passado, apontam para a presença de 1.365 destes animais, dos quais 209 no lado português, onde para já existe só um núcleo populacional da espécie, no Vale do Guadiana. Para os próximos anos, espera-se que se consolide a existência de um segundo núcleo populacional, no Algarve. Para já, todas as áreas de lince estão agora a ser consolidadas, ampliadas e interligadas no âmbito do projeto luso-espanhol LIFE Lynxconnect.

Em muitos lugares do mundo, lembra a ONU a propósito da COP15, a fragmentação de habitats e a alterações no uso do solo são consideradas a causa de 80% das perdas de biodiversidade em muitos lugares do mundo. Estas ameaças à biodiversidade e os instrumentos para lidar com as mesmas vão ser um dos principais assuntos em cima da mesa durante o encontro, onde se pretende um acordo para que 30% das superfícies terrestre e marinha passem a ser consideradas áreas protegidas.

2. O cavalo-marinho e a sobre-exploração

Cavalo-marinho-de-focinho-curto. Foto: Hans Hillewaert/WikiCommons

Em duas décadas, aquela que já tinha sido considerada a maior comunidade de cavalos-marinhos do mundo, na Ria Formosa, atravessou um fortíssimo declínio, motivado pela apanha ilegal e desenfreada destes peixes para a sua venda em mercados asiáticos de medicina tradicional. Em 2021, estimava-se que essa população sofrera uma quebra de 96% em duas décadas.

A sobre-exploração de recursos, que foi a principal causa para a péssima situação do cavalo-marinho nesta área protegida do Barlavento algarvio, é outra das grandes ameaças à biodiversidade que estarão em discussão durante a COP15, até ao próximo dia 19.

Entretanto, têm estado a ser realizados esforços para a recuperação das duas espécies de cavalo-marinho na Ria Formosa: o cavalo-marinho-de-focinho-curto (Hippocampus hippocampus) e o cavalo-marinho-de-focinho-longo (Hippocampus guttulatus). Há um ano, o projecto Seaghorse libertou 60 cavalos-marinhos numa zona da Ria onde o habitat para esta espécie tinha estado a ser melhorado. Quase todos estes animais tinham sido criados em cativeiro na Estação Marinha do Ramalhete, em Faro.

Mais recentemente, no final de Novembro, realizou-se uma nova libertação de mais 150 destes peixes criados em cativeiro. Na altura, Rui Santos, do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, afirmou que houve “um aumento apreciável” destes animais.

3. O tritão-de-ventre-laranja e o stress das espécies invasoras

Macho de tritão-de-ventre-laranja. Foto: Javier Lobón-Rovira

No caso do tritão-de-ventre-laranja, desde há muito que os cientistas tentam descobrir mais sobre o agressivo vírus que está a atacar este e outros anfíbios na Europa. Em Portugal, a Serra da Estrela e a Serra do Gerês estão entre as áreas mais afectadas, com o registo de mortes em massa provocadas por um grupo hiper-virulento de ranavirus, chamado de MCTV-Ranavirus.

Na Serra da Estrela, por exemplo, um estudo publicado em 2019 alertou para o possível desaparecimento das populações de tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai) daquele local no prazo de uma década, caso não seja mitigado este vírus que causa hemorragias e úlceras na pele deste e de outros anfíbios.

Agora, em Novembro passado, um novo estudo científico realizado na lagoa dos Carris, na Serra do Gerês, veio lançar mais luz sobre a possível origem deste vírus e sobre as inúmeras mortes provocadas durante os surtos desta doença.

Uma equipa de investigadores recorreu a colecções de anfíbios do Museu Nacional de História Natural e da Ciência para estudar o que se tinha passado com o tritão-marmoreado (Triturus marmoratus), outra espécie fortemente afectada. Concluíram que este ranavírus já estaria alojado nas suas vítimas desde há muito tempo, mas que o stress que esses anfíbios sofreram devido à introdução de um peixe invasor, a perca-sol, levou a que ficassem mais vulneráveis à doença.

“A descoberta realça assim a importância de se proceder à remoção da perca-sol do Parque Nacional da Peneda-Gerês (e de outros ecossistemas), para que as populações de anfíbios possam recuperar a sua resistência e prosperar”, alertou esta equipa de cientistas.

As espécies exóticas invasoras são outra das ameaças que vão ser debatidas durante o encontro em Montreal, na procura de soluções. Tal como a perca-sol, muitas outras espécies invasoras podem ser hoje encontradas por todo o mundo, muitas delas com efeitos fortemente negativos para a biodiversidade e a economia portuguesas. É o caso por exemplo da vespa-asiática, de plantas invasoras como o jacinto-aquático e a erva-das-pampas ou de inúmeras espécies aquáticas.

4. A garça-boieira e a intensificação agrícola

Garça-boieira (Bubulcus ibis). Foto: 0x010C/Wiki Commons

A garça-boieira (Bubulcus ibis), o sisão (Tetrax tetrax) e o picanço-barreteiro (Lanius senator) são três das muitas espécies que estão hoje numa “situação periclitante” nas áreas rurais, avisou recentemente o novo relatório sobre o Estado das Aves em Portugal, redigido pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). A garça-boieira, por exemplo, viu o número de aves desta espécie que se reproduzem em território português cair 77% em apenas sete anos.

A intensificação da agricultura é a causa principal para esta situação, acusa a SPEA, que aponta o dedo à “exploração exaustiva dos nossos campos, com recurso a pesticidas e outros contaminantes, sistemas de regadio que secam a região circundante, e monoculturas que esgotam a biodiversidade”. Em causa estão problemas como – mais uma vez – as alterações no uso dos solos, com a destruição dos habitats típicos destas e de outras espécies de aves, mas também a poluição causada pelos pesticidas e a sobre-exploração de recursos – questões que afectam muitos outros países por todo o mundo.

Mas não é só em meio rural que as aves correm perigo. No litoral, a SPEA chama a atenção para a perturbação das zonas costeiras, com consequências por exemplo para o borrelho-de-coleira-interrompida. “Tanto o Arenaria (programa de monitorização de aves costeiras) como o Programa Nacional de Monitorização de Aves Aquáticas Invernantes detectaram reduções muito grandes no número de borrelhos-de-coleira-interrompida que passam o Inverno no nosso país, enquanto o censo dirigido especificamente a esta espécie revela que a sua população nidificante diminuiu 46% nos últimos 19 anos”, alerta a associação.

No entanto, os avisos em relação ao futuro das aves estendem-se a muitos outros países do mundo. Contas feitas, quase metade de todas as espécies de aves estão em declínio e uma em cada oito espécies está atualmente ameaçada de extinção.

5. A linária-dos-olivais e o desaparecimento dos olivais tradicionais

Linária-dos-olivais (Linaria ricardoi). Foto: Cristina Estima Ramalho

A delicada linária-dos-olivais (Linaria ricardoi), uma espécie que em todo o mundo pode ser encontrada apenas nalgumas partes do Alentejo, foi eleita a Planta de Portugal do Ano de 2022. Os resultados da eleição, anunciados em Fevereiro passado, não espantaram ninguém, uma vez que esta espécie Em Perigo de extinção e considerada como de conservação prioritária é uma importante representante da situação que aflige várias espécies botânicas típicas dos olivais tradicionais alentejanos, que estão a ser convertidos em culturas intensivas de regadio.

“Apesar de ser uma espécie de conservação prioritária, o seu estatuto de proteção legal muito dificilmente a protegerá num futuro próximo, caso não seja implementado um plano de conservação dedicado”, avisaram os autores da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, em Outubro de 2020, na obra que resultou deste vasto processo de avaliação do risco para 630 plantas de Portugal Continental.

“As medidas de conservação devem centrar-se na manutenção dos sistemas agrícolas tradicionais, através da contratualização com os proprietários dos terrenos no sentido da manutenção de parcelas de olival tradicional com núcleos da planta, e através do incentivo económico aos produtores de forma a manterem as práticas tradicionais de gestão”, avisaram também a Sociedade Portuguesa de Botânica e a Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação (PHYTOS), que coordenaram este projecto em parceria com o ICNF.

Ao todo, este trabalho de avaliação concluiu que 381 plantas encontram-se hoje ameaçadas e que outras 19 estarão já hoje extintas. Outras 106 espécies foram consideradas Quase Ameaçadas.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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