Um relatório de avaliação de estudos sobre o glifosato, que serviu como base para a autorização do seu uso por mais cinco anos dentro da União Europeia, foi largamente plagiado a partir de documentos elaborados pela Monsanto e outras empresas, foi denunciado esta terça-feira.
De acordo com uma notícia do jornal francês Le Monde, em causa está um relatório de mais de 4.000 páginas produzido pela alemão Instituto Federal de Avaliação dos Riscos (Bundesinstitut für Risikobewertung, BfR), que afinal transcreveu uma boa parte de documentos de defesa do glifosato entregues à União Europeia pela Monsanto e por outras companhias aliadas, reunidas na chamada ‘task-force europeia para o glifosato’.
Este relatório do instituto alemão veio a servir de base à decisão de Bruxelas, em Novembro de 2017, de voltar a dar luz verde ao uso do pesticida na Europa. Isto porque conclui que o glifosato não é cancerígeno, ao contrário do que afirmava uma análise divulgada em 2015 pela Organização Mundial de Saúde.
O caso foi denunciado num relatório divulgado esta terça-feira, escrito por Stefan Weber, um caçador de plágios austríaco, e por Helmut Burtscher, bioquímico associado à organização não governamental Global 2000.
“Fica claro que a adopção pelo BfR, sem um ponto de vista crítico, de informações tendenciosas, incorrectas ou incompletas fornecidas pelos fabricantes [de glifosato], influenciou a sua própria base da sua avaliação” sobre o perigo ou não deste produto, acusam os dois especialistas.
Stefan Weber e Helmut Burtscher foram mandatados por eurodeputados de três partidos – Esquerda Unida Europeia, Socialistas e democratas e Verdes – para analisarem a avaliação dos estudos sobre o glifosato, no relatório entregue pelo BfR em Bruxelas.
Os dois especialistas concentraram-se na parte do relatório respeitante à toxicidade e as qualidades cancerígenas deste pesticida. Nos capítulos em que o BfR analisa estudos sobre o glifosato produzidos por académicos e investigadores públicos ou privados – a que o instituto alemão chama ‘estudos publicados’ – concluem que afinal 50,1% desse conteúdo é afinal resultado de plágio.
Neste caso, os autores do relatório do BfR reproduzem conteúdos produzidos pela Monsanto e outras companhias sem revelar a verdadeira fonte de informação, dando a entender que são da sua própria autoria.
Estudos sobre cancro esvaziados de importância
“Isto inclui parágrafos e páginas inteiras de texto que descreve o formato e resultado de estudos [publicados] e avaliam a sua relevância e grau de confiança”, alertam Stefan Weber e Helmut Burtscher. É dessa forma que o documento do BfR, por exemplo, esvazia de importância estudos já feitos sobre a possível influência do glifosato no linfoma não-Hodgkin, um grupo de cancros do sangue, afirmam.
Além do mais, outros 22,7% dessa parte do relatório são resultado de ‘copy paste’ (cópia literal), embora não sejam considerados plágio, uma vez que têm fonte atribuída. Assim, há “um total de 72,8%” de conteúdos copiados nos capítulos que analisam os estudos publicados sobre a influência do glifosato na saúde.
A proporção de conteúdos copiados é ainda maior nos capítulos do relatório do BfR que avaliam os ‘estudos industriais’, ou seja, aqueles que foram produzidos pela Monsanto e por outras empresas produtoras deste pesticida. Ainda assim, aqui não se considerou plágio, uma vez que o instituto alemão admite a existência de cópias de conteúdo quando explica a abordagem feita nessa parte do relatório.
Em contrapartida, a análise dos dois peritos sobre a parte do relatório relativa aos riscos do glifosato para o ambiente deu resultados muito diferentes. Nesses capítulos, produzidos pela alemã Agência Federal para o Ambiente (UBA) – e não pelo BfR – “só se detectaram vestígios de ‘copy paste’ e de plágio, respectivamente 2,5% e 0,1%”, avançam.
A análise agora divulgada, em especial a análise detalhada dos capítulos de avaliação carcinogénica, “sugere que a prática do BfR de ‘copy paste’ e de plágio entra em conflito com uma avaliação independente, objectiva e transparente dos riscos, e que essa prática influenciou as conclusões da autoridade [europeia] sobre a segurança do glifosato”, concluem os dois peritos.
Stefan Weber e Helmut Burtscher encontraram também “provas claras de que o BfR fingiu deliberadamente que fazia uma avaliação independente, quando na realidade essa autoridade estava apenas a fazer eco das avaliações realizadas pelos candidatos da indústria”.
A polémica em torno do relatório do BfR, que foi publicado em 2015, tem sido constante nos meios de comunicação alemães ao longo dos últimos anos. Um dos pontos altos foi a publicação do livro ‘The Glyphosate Files’, por Helmut Burtscher, no Outono de 2017, em que já referia uma parte dos factos agora divulgados.