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No coração de Setúbal à caça de beatas para ajudar o Ambiente

22.12.2017

Numa manhã de Dezembro, 16 pessoas juntaram-se na cidade de Setúbal para recolher beatas, a última acção de voluntariado de 2017 organizada pelo grupo Feel4Planet. Sandra Protásio foi saber como correu e qual a importância desta iniciativa.

 

A cidade de Setúbal dormita, delonga-se pela manhã de 1 de Dezembro, uma sexta-feira feriado. Passa pouco das 09h30. Junto ao Coreto da Avenida Luísa Todi, ténues raios de sol vão amanhecendo o dia. O ar é cinza gélido e a temperatura marca 7ºC.

O arranhar de quatro rodas plásticas nas pedras da calçada quebra o silêncio matinal. É Carolina a transportar duas grandes caixas de plástico transparente, desde o parque de estacionamento até a um banco de jardim junto ao Coreto. Nestas caixas estão beatas de cigarros, fechadas em sacos de plástico.

Minutos depois chegam Vânia, Mafalda e Márcia. Esta abre as duas caixas e despeja as beatas dos sacos directamente nas caixas transparentes, para que fiquem mais visíveis.

As quatro raparigas que formam o grupo têm entre 24 e 25 anos e são de áreas distintas: Carolina é bióloga, Mafalda de Gestão e Administração, Márcia é professora do 1º Ciclo e Vânia tem formação em Ciência Política e Relações Internacionais.

 

As fundadoras da Feel4Planet (Márcia, Carolina, Vânia e Mafalda) com as beatas recolhidas em 9 acções

 

Estão unidas pela amizade e pela vontade de “pôr as mão à obra”, como diz Mafalda. Sabiam que tinham que fazer algo ligado ao Ambiente. A ideia de recolher beatas surgiu quando Vânia e Carolina faziam recolha de lixo noutra associação ambiental e constataram que as beatas ficavam esquecidas. Decidiram investigar.

Em Maio avançaram, com o apoio da Experimentáculo, uma associação cultural juvenil de Setúbal, que as desafiou a preparar uma acção para estudantes de intercâmbio. Em 15 minutos apanharam mais de 4.000 beatas num parque de estacionamento de uma pequena praia. Foi aí que souberam: “Tínhamos de continuar com isto”, diz Vânia. Agora contam com o apoio da Câmara Municipal de Setúbal, da Capitania do Porto de Setúbal e da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS, SA) nas questões burocráticas. “É preciso ter licenças para limpar nas zonas portuárias, se não tem de se pagar.”

A recolha de beatas naquele jardim da Baixa de Setúbal está marcada às 09h45. Mas Carolina receia que o frio, o feriado e o local afaste os voluntários. “As acções na praia atraem sempre mais gente.” Enquanto esperam fazem o ponto de situação: um total de 43.138 beatas recolhidas em oito acções, por 118 voluntários e em 10 horas.

Aos poucos vão chegando voluntários. Márcia Vieira vem de Lisboa, trabalha na Associação Bandeira Azul da Europa e conheceu a iniciativa há uma semana, num seminário em Loulé. “Também trabalhamos a questão das beatas. Decidi vir porque é importante estarmos em sintonia e fazer acções conjuntas. Tem mais impacto”, explica.

As organizadoras vão recebendo os voluntários e explicam que cada beata tem cerca de 4.000 tóxicos e demora 10 a 12 anos a degradar-se. Se as condições forem favoráveis podem decompor-se mais depressa. “Mas isso não é melhor, simplesmente quer dizer que os tóxicos foram mais depressa para as nossas águas e solos e consequentemente para a nossa cadeia alimentar”, alerta Carolina.

Distribuem-se luvas e sacos. As organizadoras colocam barretes de Pai Natal e marcam no relógio o início da acção. São 10h26. E de repente estão 16 pessoas de cócoras a vasculhar por entre terra e folhagem morta de Outono. Sente-se o ambiente calmo e o cheiro a rio. Nos canteiros, junto às raízes das árvores, nos espaços entre as pedras da calçada, debaixo dos bancos de jardim, já se sabe onde procurar.

 

Voluntários durante a acção de recolha

 

As beatas confundem-se com pequenos galhos. “Quando se olha parece que não é tanto”, comenta Sara, uma voluntária que trouxe consigo duas cadelas da raça Beagle e um “voluntário à força”, o filho pequeno que vem ainda a esfregar os olhos. “Só fumo de vez em quando, depois de apagar o cigarro ando com a beata na mão até encontrar um caixote do lixo. Acho mais simpático andarmos por zonas limpas”, conta enquanto coloca uma mão cheia de beatas no saco. Sara costuma ir a uma praia onde há um bar, cujos donos têm camaroeiros e mal lá chega vai logo pedir um para limpar a zona à sua volta. “Empreste-me lá um camaroeiro para eu estar entretida”, conta divertida.

 

Hoje “as pessoas preocupam-se mais com a questão do lixo”

Para muitos dos que vieram hoje, o voluntariado é fulcral nas suas vidas. É o caso de Paula, funcionária da Junta da União de Freguesias de Setúbal, responsável por um grupo de Corrida Nocturna, organizadora da Iniciativa Amar Setúbal, uma iniciativa de recolha de lixo, e do projecto Ecobeatas, que pretende desenvolver um dispositivo onde os fumadores possam colocar as beatas. É optimista e vê uma mudança na direcção certa. “Em 2012, nas praias de Albarquel e da Rainha recolhemos, após a época balnear, quase 100 sacos de 120 litros. Este ano, nas mesmas duas praias já só retirámos 13 sacos de lixo. Já se nota que as pessoas se preocupam mais com a questão do lixo. Mas ainda não está bem.”

São 11h10 e o frio não diminui. Os casacos grossos e cachecóis tornam os movimentos mais difíceis, porém os voluntários continuam focados em conseguir apanhar o máximo de beatas. Conversam, de olhos presos ao chão, e partilham experiências e ideias e projectos.

Passa um casal curioso e Carolina aproveita para lhes falar das beatas e de como “estão cheias de químicos, entre eles a acetona de limpar as unhas. Não são feitas de papel, mas sim acetato de celulose, um plástico. Começa-se a desfazer tudo agora com a chuva e vai acabar na nossa água”.

No grupo apenas informam as pessoas que se mostram interessadas pelo trabalho que estão a realizar. Além disso antes de abordar as pessoas querem ter a oportunidade de lhes apresentar soluções. Por exemplo, diz Carolina, “queremos ter a possibilidade de entregar um porta-beatas às pessoas durante as acções”.

Já passou uma hora e vinte, a acção termina. Os voluntários entregam os sacos com as beatas para se proceder à contagem. Márcia, de telemóvel na mão, vai fazendo as contas. Uma mão cheia de voluntários estão sentados no chão à roda do monte de beatas recolhidas. Vão contando em voz alta, de 10 em 10. Por cada 10 que ouve, Márcia responde com um “sim” e vai registando.

 

Voluntários fazem a contagem das beatas recolhidas

 

À medida que o monte de beatas vai diminuindo deixa ver o saco azul sobre o qual as beatas estavam colocadas. Nele está escrito, a letras pretas, Setúbal em Bom Ambiente. A Câmara Municipal fornece-lhes os sacos e, como Carolina explica, eles têm um papel muito activo na limpeza da cidade mas o caso das beatas é mais complexo: “São muitos leves e pequenas, por isso ficam retidas. Não há nenhum dispositivo especial para as recolher”.

As quatro jovens consideram que este foi um ano muito positivo. Daqui para a frente querem aumentar o número de voluntários e conseguir mais apoios. “ O principal obstáculo é a falta de fundos. Por exemplo queríamos ter luvas reutilizáveis para deixar de utilizar as descartáveis”, revela Carolina. Márcia lembra que um dos principais objectivos do grupo passa também por “conseguirmos chegar às escolas de Setúbal e apostar na educação ambiental”. Quanto ao destino das beatas recolhidas, o plano é fazer uma exposição de cariz artístico em Abril de 2018, mês em que comemoram um ano, e posteriormente enviar as beatas para reciclagem.

12h25, acaba a contagem e colocam-se todas as beatas nas caixas. É feito o balanço final: um total de nove acções, 144 voluntários, 53.032 beatas, o equivalente a cerca de 2.652 maços de tabaco. Em Portugal, a cada minuto são descartadas 7.000 beatas, ou seja, ao longo das nove acções foram foi recolhido o equivalente a cerca de 7 minutos e meio de beatas atiradas para o chão.

A cidade permanece fria, mas um pouco mais limpa. Já não há voluntários junto ao Coreto. Há mais pessoas a passar, não sabem o que aconteceu ali esta manhã, e algumas atiram mecanicamente as suas beatas para o chão. Ainda há trabalho a fazer.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Conheça melhor aqui a Feel4Planet.

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