Os líquenes já podem ser usados à escala mundial como ferramentas de alerta precoce para os efeitos da poluição ou do clima nos ecossistemas, graças ao trabalho de uma equipa de investigadores portugueses e norte-americanos. O próximo passo é fazer chegar uma proposta à ONU.
Depois de falar com Paula Matos, dificilmente olhamos para os líquenes da mesma maneira. Aquelas pequenas manchas amareladas ou esverdeadas que vemos nos troncos ou nas pedras ganham nova dimensão. São capazes de resistir à seca e, quando molhadas, regressar ao seu estado normal em minutos. Ajudam a reter o solo e a preparar terreno para a chegada das plantas, mantendo os solos saudáveis. E ainda poderão dar-nos os alertas mais precoces de todos sobre o que está a acontecer aos ecossistemas do planeta.
Paula Matos é investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e é a primeira autora do estudo publicado hoje na revista Methods in Ecology and Evolution sobre os líquenes enquanto indicador ecológico mundial.
Até agora, os líquenes não podiam fazer parte da lista de indicadores que as Nações Unidas utilizam para medir as mudanças nos ecossistemas do planeta. “Os líquenes já são muito usados para medir as alterações globais. Mas não há um método único para recolher dados; cada país ou até cada grupo de investigação usa métodos diferentes. Acontece que, para as Nações Unidas, o indicador tem de ser usado universalmente”, explicou Paula Matos à Wilder.
Os dois maiores métodos são o europeu e o norte-americano. Cada um tem regras diferentes e, por isso, os valores que obtêm também são diferentes. Agora, pela primeira vez, a equipa de investigadores criou uma métrica capaz de integrar os dados recolhidos pelos dois métodos.
Este estudo resultou da colaboração de investigadores do cE3c, do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Aveiro e do Serviço de Florestas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “Os investigadores utilizaram os dois métodos para estudar 28 locais nos Estados Unidos, correspondendo a ecossistemas com características bastante diferentes em termos de nível de poluição, temperatura e humidade”, segundo um comunicado do cE3c. Depois, os investigadores desenvolveram uma métrica que permitiu integrar os resultados de ambos os métodos.
Segundo Paula Matos, “nunca ninguém tinha tentado integrar os dados dos dois métodos à escala global para ver padrões globais de mudança”. Mas este foi um trabalho importante, salientou, porque, “seria muito difícil convencer os cientistas da Europa e dos Estados Unidos a adoptar apenas um dos métodos, ou mesmo a desenvolver um novo método universal. E continuaríamos a ter o problema de analisar os dados do passado”.
Agora, com base nesta nova métrica, os investigadores querem começar a analisar os padrões passados e futuros dos efeitos das alterações globais nos ecossistemas – a poluição e o clima – a nível mundial.
Líquenes, “termómetros” eficazes
Os líquenes vivem no chão ou em cima de árvores ou pedras e respondem rapidamente às alterações do ambiente. “A ideia que mais me vem à cabeça é que eles são mesmo como termómetros, tanto para o clima como para a poluição”, explica-nos Paula Matos. “ Não têm qualquer protecção e absorvem tudo. Já as plantas têm sempre uma primeira barreira”, acrescentou.
Já há anos que se faz biomonitorização com líquenes em Portugal, especialmente por grupos de investigadores. Paula Matos explicou à Wilder que o estudo dos líquenes se faz de três maneiras. “Podemos avaliar a diversidade de espécies num local; podemos recolher amostras e analisar o seu conteúdo (por exemplo de metais pesados, para saber mais sobre a bioacumulação de poluentes) ou ainda, onde não há as espécies que precisamos, fazemos transplantes de líquenes para esses locais, onde ficam expostos durante vários meses. Depois voltamos e analisamos o que aconteceu.”
Os líquenes podem responder de duas formas: ou desaparecem ou as espécies mais tolerantes substituem as mais sensíveis. “Hoje já não existem casos de poluição muito graves. Mas nos anos 80 chegou a não haver líquenes na Avenida da Liberdade, em Lisboa, por causa da poluição. Entretanto as espécies têm estado a regressar, mas não as espécies que ali viviam antes da Revolução Industrial.”
“Queremos estudar os líquenes como indicadores de alerta precoce, ou seja, através deles podemos saber se algo está a mudar, mesmo antes de vermos mudança em outros ecossistemas ou no clima.” Segundo Paula Matos, a resposta dos líquenes “é muito mais rápida”. “Por exemplo, podemos medir a diversidade de espécies num local e saber se esse local já está, ou não, em transição climática. Para fazer o mesmo através do clima são precisas médias de 30 anos.”
O próximo passo, conta Paula Matos, é contactar o focal point português da ONU e mostrar-lhe os resultados deste estudo. “Será ele a propor a integração dos líquenes nas listas de indicadores ecológicos nas reuniões da ONU” dedicadas ao tema.
Além disso, Paula Matos e a sua equipa vão compilar os dados que resultaram de vários anos de estudo de líquenes da Europa e dos Estados Unidos. “Chegou a parte que vai dar mais gozo, ou seja, juntar tudo e tentar perceber padrões de mudança. Isto é, se já estão a acontecer e se diferem de região para região. Isto é muito importante porque as políticas de ambiente podem ser decididas em função disso e porque podemos avaliar a eficácia do que temos estado a fazer.”
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