Não há vento e o sol brilha. O equipamento já está preparado. Ouve-se o primeiro disparo. Certeiro. Apanhou dois flamingos que estavam a cruzar o seu caminho. As cabeças formavam um coração, no momento em que foram apanhados. Foi com uma lente de 500 mm que disparou sobre aquele cenário quase perfeito. João Nunes da Silva, fotógrafo de natureza há 23 anos, está na beira da estrada que percorre a ria de Aveiro, mas a lente que usa coloca-o bem perto dos flamingos. “Lindos, lindos”, diz entusiasmado.
“Ser fotógrafo de Natureza é um estado de espírito”, diz. “É uma profissão que tem um gosto especial, sem dúvida”. Como freelancer tem de fazer muitos investimentos sem garantias de retorno. Até agora não tem corrido mal, há meses piores e meses melhores, mas continua apaixonado pelo que faz.
João reconhece o contacto com a natureza e a liberdade como um privilégio do seu trabalho. No entanto, nem tudo são flores. Cada saída de campo exige investimento sem rede de segurança e muita preparação. “Às vezes levo meses para fotografar uma espécie”, é preciso conhecer bem os animais, os seus hábitos e habitat.
O fotógrafo está agora em Salreu, um calmo mundo rural. Ouvem-se os passos de João, abafados pelo som das aves. “A paisagem está bonita. As cores estão mesmo bonitas, mesmo bonitas”. Em cima de um posto de observação, João vê através dos binóculos o que a paisagem lhe oferece para fotografar.
“As torres elevatórias dão jeito, para ver o que há aqui à volta, mas também para nos guiarmos quando decidimos aproximarmo-nos de um animal”. No campo aprende muitos truques e comportamentos como é o caso da aproximação aos animais, que deve ser disfarçada e nunca denunciada, mas também a “não olhar para os bichos nos olhos, isso assusta-os”.
Volta a ligar o carro, para mais uns disparos. “Fotografar a partir do carro é um óptimo recurso porque, no fundo, é como se estivéssemos no abrigo”, explica. Apesar de preferir andar a pé, sabe que os animais lidam melhor com o motor. Já se habituaram.
Junto ao caminho, pousadas sobre uma árvore, estão duas grandes aves. Mas João não dispara. “A melhor máquina fotográfica que podes ter é a tua memória. Ver uma raposa a limpar-se sem se aperceber que estás ali é um momento que podes registar se tiveres a máquina. Mas se não tiveres, fixaste, viste. Não perdeste nada”.
Tem uma cegonha à sua esquerda. Pára o carro, desce o vidro e coloca a sua lente, apoiada sobre um saco de feijões. “Fazer uma fotografia de vida selvagem não é só coleccionar o bicho. A fotografia, como arte, também tem de estar bonita. É importante contemplar o seu habitat”, explica.
João procura criar um cenário intimista. Conhece bem os animais, de onde vêm, para onde vão, onde acasalam, onde se alimentam. “Manhosa vai fugir, está cheia de medo. Se ela soubesse que eu a ia fotografar para apelar à conservação não fugia de certeza”. O trabalho que o João desenvolve acaba num livro escolar, num artigo para a revista National Geographic ou num dos seus livros, onde se destaca a preocupação em mostrar o património natural de Portugal.
A sua paixão pela conservação da Natureza mantém-lhe a energia no dia-a-dia enquanto fotógrafo de vida selvagem. “É importante que as pessoas conheçam a riqueza de Portugal e saibam que têm de a preservar. É por isso que disparo, é por isso que escrevo livros, como é o caso do meu último: Portugal de Norte a Sul”.
Já conta com meio dia de disparos. O som do obturador que abre e fecha para imortalizar o momento torna-se já despercebido. Na fotografia de natureza conta-se com um pouco de sorte. “Em 50 disparos, ter duas fotografias muito boas é genial.” Nunca sabe se conseguirá vender uma foto. Mas como freelancer é a forma de se sustentar, vender fotos ou reportagens.
“Já tive dois ou três problemas com o facto de usarem fotos minhas abusivamente”, conta João sobre os direitos de autor. Acredita que hoje as pessoas já estão mais informadas e sabem que não podem fazer isso. “Acho que houve uma evolução muito positiva”, acrescenta.
Nunca se sabe quando ou onde vai encontrar uma boa foto. João preferiu arriscar e veio até Costa Nova. Ouvem-se as ondas a quebrar na costa. O vento sopra e o brilho do sol espelha-se no mar. Sobre o areal, entre as algas e outro lixo marinho, um grupo de pilritos-das-praias.
O sol já está a baixar. É altura de voltar à ria. E os flamingos estão lá à sua espera, perto da margem. Não há vento a agitar as águas e sobre as penas brancas das aves batem os raios laranja para iluminar a fotografia. Nas águas, um reflexo perfeito. Atrás da máquina está o sorriso de João que só consegue dizer: Lindos, lindos, estes malandros”.
“Gosto de ver a água a escorrer do bico deles. Estás a vê-los a abanar a cabeça? Estão a comer, é assim que filtram a água”. Estão muito perto e há muitos pormenores em que reparar. No seu jeito delicado de caminhar nas águas, os flamingos páram, com uma perna dobrada e a outra esticada. Páram eles, mas não o João. Foram centenas de disparos. “Tive sorte, vê-los assim tão perto e com esta luz, não é fácil.”
O sol põe-se, é hora de regressar. Não sabe se alguma daquelas fotos que fez hoje será vendida. No entanto, a satisfação já ninguém lhe tira. “Estou entusiasmado com as fotos que tirei”, acrescenta.
Amanhã vai ser um dia de escritório, a passar e tratar as fotos. Actualizar o banco de imagens é um trabalho que ninguém vê, mas que é necessário para que se mantenha tudo organizado.
O fotógrafo guarda o seu equipamento na mala e aponta no seu caderno tudo o que viu e fotografou, onde e que condições estavam. Deixa Aveiro sob o crepúsculo. Volta sem certeza do que leva, mas apesar de tudo João sabe que continuará a disparar.
[divider type=”thick”]Saiba mais.
Pode ler aqui a entrevista que fizemos ao fotógrafo, por causa do seu livro “Portugal de Norte a Sul”, lançado em Agosto de 2015.
E se gosta de fotografia da natureza, não perca o Cinclus – Festival de Imagem de Natureza em Vouzela, de 29 a 31 de Janeiro. Saiba mais aqui.