O que pode 2021 trazer para a Biodiversidade e para a Conservação da Natureza? Com o ano que começa, a Wilder lança cinco perguntas a especialistas e responsáveis portugueses que trabalham para conhecer ou proteger o mundo natural.
Ricardo Rocha é investigador de pós-doutoramento do CIBIO-InBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, associado à Universidade do Porto e ao Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa.
WILDER: O que espera de 2021 para a Conservação da Natureza em Portugal e no mundo?
Ricardo Rocha: Espero que se faça mais e melhor. No meu ver, o ano anterior acabou por trazer ao de cima – de forma bem dolorosa – três coisas extremamente importantes: i) que a saúde humana e a saúde dos ecossistemas e das espécies selvagens estão interligadas; ii) enfatizou a importância da ciência, tanto fundamental como aplicada, na resolução de problemas locais e globais; e, iii) mostrou-nos a importância de assentarmos as nossas decisões em dados viáveis e de revermos as nossas ações com base em informação rigorosa e actualizada. Em 2021, espero que os decisores políticos tenham a capacidade de incorporar estes ensinamentos numa estratégia concertada de conservação da natureza, que esteja assente em dados científicos sólidos, de acordo com prioridades bem delineadas e em colaboração próxima com investigadores sérios. Estou ciente que dito desta forma, parece um pouco abstrato, mas na prática o que espero para 2021 é que as políticas de conservação de natureza se assentem na filosofia de conservação com base na evidência (do inglês “Evidence-based Conservation”), na qual – com base em ciência – fazemos mais do que funciona, e menos do que não funciona. Aconselho os leitores a explorarem este site https://www.conservationevidence.com/, caso queiram conhecer mais sobre esta forma de fazer conservação.
W: No seu entender, quais devem ser as prioridades para este ano em prol da natureza em Portugal? E mais concretamente, para a presidência portuguesa da União Europeia?
Ricardo Rocha: A Organização das Nações Unidas designou 2021-2030 como a década do restauro de ecossistemas. Em Portugal temos excelentes exemplos de projectos de restauro de ecossistemas, em particular no que toca ao restauro de sistemas insulares. Veja-se, por exemplo, o trabalho pela SPEA e pelas autoridades açorianas na recuperação da floresta laurissilva da Ilha de São Miguel, lar do Priolo (Pyrrhula murina) ou, mais recentemente, o projecto LIFE Berlengas, finalistas do Prémio Europeu Natura 2000 no ano anterior, na categoria “Conservação”. Eu acho que as prioridades em Portugal devem seguir o mote da década do restauro de ecossistemas, nomeadamente “prevenir, abrandar e reverter a degradação dos ecossistemas” e, mesmo que se usem espécies bandeira – espécies apelativas e capazes de mobilizar um maior apoio para ações de conservação – a estratégia deverá passar por uma visão de ecossistema, que vise repor funções ecológicas importantes (ex. controle de pragas florestais/agrícolas por vertebrados insectívoros) e conservar processos naturais (ex. reciclagem de nutrientes).
No último ano tivemos o anúncio do Pacto Ecológico Europeu que mostra um compromisso grande da União Europeia (UE) com políticas de conservação da natureza. Com a liderança da UE Portugal tem uma oportunidade única para assumir um papel de líder na transição para um mundo mais verde, menos poluído e no qual a nossa espécie vive em maior harmonia com as demais. Espero que Portugal lidere pelo exemplo, começando por projectos e políticas nacionais em linha com o Pacto Ecológico, e ações a nível internacional que desincentivem a destruição de ecossistemas naturais e promovam actividades sustentáveis do ponto de vista ambiental e social. Relativamente ao último ponto, é fundamental que a UE use o seu poderio económico e diplomático, de forma a pressionar os seus parceiros a optarem por políticas que se alinhem com os princípios europeus de defesa ambiental e dos direitos humanos. Em 2019 fiz parte de um grupo de mais de 600 investigadores e ambientalistas que escreveu uma carta na revista Science, na qual apresentavamos um exemplo concreto do que a UE pode fazer neste sentido, na sua relação com o Brasil. Tendo em conta os números assombrosos relativos à desflorestação na Amazónia em 2019 e 2020 (nos últimos dois anos perdeu-se uma área de Amazónia 20 vezes superior à área da Ilha da Madeira), o que escrevemos nessa carta é hoje particularmente relevante.
W: Quais as espécies ameaçadas que, na sua opinião, precisam de ajuda premente em 2021?
Ricardo Rocha: Infelizmente há toda uma imensidão de espécies em perigo crítico de desaparecer do planeta e que precisam de auxílio urgente – veja-se por exemplo a situação da vaquita Phocoena sinus, um pequeno golfinho endémico do Golfo da Califórnia cujo efectivo populacional poderá ser inferior a uma dezena de indivíduos. No entanto, algo que me atormenta e que recebe menos atenção é o rápido declínio – em termos de abundância e área de distribuição – de muitas espécies que consideramos “comuns”. Por exemplo, a população de rola-brava Streptopelia turtur teve um declínio de 80% nos últimos 15 anos em Portugal. Embora não esteja em perigo crítico de desaparecer, os sinais de alarme estão a tocar e a hora de actuar é agora. O problema é ainda maior para espécies e subespécies que apenas ocorrem num determinado território e para as quais não temos dados populacionais. Veja-se, por exemplo, a situação do Pardal da terra da Madeira Petronia petronia madeirensis, uma subespécie endémica do arquipélago. Qual o seu tamanho populacional? Qual a sua área de distribuição? Está em declínio? É extremamente importante que tenhamos respostas para estas perguntas, antes que estas espécies/subespécies desapareçam debaixo da cortina de fumo de serem comuns. A situação é ainda pior para muitas espécies de plantas e invertebrados.
W: Se coubesse a si decidir, qual seria a principal medida que tomaria este ano para tentar travar a extinção das espécies?
Ricardo Rocha: Promover uma dieta com menos carne. O consumo excessivo de carne é, directa e indirectamente, uma das maiores ameaças à biodiversidade. Isto materializa-se através da destruição de habitats naturais para pasto e produção de rações que são utilizadas para alimentar animais que acabamos por consumir, ou através de um agravamento do aquecimento global através da libertação de gases produzida pelas atividades pecuárias.
W: Qual, ou quais, os projectos na área da Biodiversidade em que estará a trabalhar em 2021 que mais o entusiasmam?
Ricardo Rocha: Ao longo dos últimos anos tenho estado a trabalhar principalmente em ecossistemas tropicais. No entanto, agora estou a centrar os meus projectos um pouco mais perto de casa, na Macaronésia, com um ênfase particular na Madeira, de onde sou natural. Durante a maior parte de 2021 estarei a fazer trabalho de campo no arquipélago da Madeira, principalmente com morcegos, com vista a conhecer mais sobre a sua ecologia, potenciais contributos ao nível de serviços de ecossistema e necessidades de conservação. Em paralelo conto também trabalhar com outros grupos de vertebrados terrestres do arquipélago, nomeadamente com aves e répteis, sobre os quais sabemos muito pouco.
Recorde as respostas de Helena Freitas e de Ângela Morgado.
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