No Dia Mundial de Luta contra a Desertificação e Seca, a 17 de Junho, peritos e líderes mundiais reuniram-se em Madrid, sob a égide da ONU, para pedir medidas urgentes. Em Portugal, a Quercus pede um reforço do investimento público para combater a seca e a degradação dos ecossistemas.
Peritos e líderes políticos debateram medidas e soluções para combater a desertificação e a seca numa jornada de alto nível celebrada hoje no Museu Nacional espanhol Reina Sofía, em Madrid, organizada pelo Ministério espanhol para a Transição Ecológica e Desafio Demográfico (MITECO), em colaboração com o Secretariado da Convenção da ONU para a Luta contra a Desertificação (UNCCD, sigla em Inglês).
Hoje, a degradação do solo e a escassez de água disponível são problemas graves que afectam cada vez mais pessoas no mundo.
Este ano, o Dia Mundial celebra-se com o tema “Superando a seca juntos” e baseia-se na urgência de adoptar políticas e medidas às escalas local, regional e mundial para evitar os efeitos da desertificação e seca e na criação de sociedades mais resilientes.
As celebrações contaram com a presença, entre outros, do secretário-geral da ONU, António Guterres, do presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, do secretário executivo da UNCCD, Ibrahim Thiaw, e do comissário europeu do Ambiente, Oceanos e Pesca, Virginijus Sinkevičius.
Pedro Sánchez anunciou o lançamento da iniciativa de colaboração “Restaurando paisagens e água para a adaptação e resiliência” que vai reforçar os vínculos com África para lutar contra a desertificação no continente. Nas suas palavras, a luta contra a desertificação e seca é um dos desafios deste século. “Poucas coisas são mais urgentes do que trabalharmos para tornar o nosso planeta num lugar habitável.”
António Guterres, que fez uma intervenção através de um vídeo, recordou que as secas são cada vez mais frequentes e intensas em todas as regiões do globo. “O bem-estar de centenas de milhões de pessoas vê-se comprometido por cada vez mais tempestades de areia, incêndios florestais, colheitas fracas, deslocamentos e conflitos.”
Na sua opinião, “grande parte da responsabilidade recai nas alterações climáticas mas também na forma como gerimos as nossas terras. Cuidar das nossas terras e da sua biodiversidade pode ajudar-nos a enfrentar a crise climática e alcançar os nossos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”.
“Nenhuma nação, rica ou pobre, está imune à seca e todos os países podem tomar medidas para evitar os efeitos devastadores das secas na vida e nos meios de subsistência das pessoas”, disse Ibrahim Thiaw. “Ainda que tenhamos feito alguns progressos, não são suficientes.”
“A seca é um perigo natural mas não tem de ser um desastre. Apelamos a todos os países para que a celebração mundial deste ano seja um momento crucial onde nos comprometemos a trabalhar juntos para restaurar as nossas terras, proteger os recursos naturais e aumentar a resiliência das comunidades perante a seca.”
A desertificação é a degradação das terras e traz importantes impactos económicos, sociais e ambientais, como a perda da produtividade dos solos, o aumento do despovoamento de zonas rurais e a perda de biodiversidade.
Estima-se que entre 1900 e 2019, as secas tenham afectado 2.700 milhões de pessoas em todo o mundo e tenham causado 11,7 milhões de mortes. Além disso, as previsões da comunidade científica apontam para que a seca afecte mais de três quartos da população mundial até 2050.
A nível global, segundo as Nações Unidas, devido às secas e desertificação, 12 milhões de hectares são perdidos todos os anos (a um ritmo de 23 hectares por minuto).
A desertificação em Portugal
Segundo o Programa de Nacional de Acção de Combate à Desertificação, 32,6 % do território nacional está em situação degradada e 60,3% está em condições razoáveis a boas. A aridez dos solos atinge a totalidade do interior Algarvio e do Alentejo, está a progredir para as zonas do noroeste, tradicionalmente uma das mais pluviosas da Europa, e a aumentar nas zonas do litoral sul e montanhas do Centro.
A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza lembra hoje, em comunicado, que “os solos degradados armazenam menos carbono, o que contribui para os efeitos das alterações climáticas, e além disso, os países mais afetados e vulneráveis à desertificação são, na sua maior parte, os mais pobres e menos desenvolvidos do mundo. Sem solos saudáveis e produtivos surge a pobreza, a fome e a necessidade de emigração, que muitas vezes gera conflitos e problemas humanitários gravíssimos”.
Mas não é só nos países menos desenvolvidos que existe desertificação. Na Europa, em virtude das profundas alterações ocorridas durante as últimas décadas nas áreas rurais, os modelos tradicionais de gestão agro-silvo-pastoril sofreram profundas transformações e o valor económico e social da terra sofreu profundas transformações, que em muitos casos se traduziram na degradação dos solos e no consequente abandono da terra.
A Quercus aponta uma cadeia de fatores que contribuem para este fenómeno de aumento da aridez e desertificação em Portugal, além da suscetibilidade natural de algumas regiões: as culturas agrícolas intensivas de regadio; a (re)arborização de milhares de hectares das florestas com espécies exóticas e consequente perda de biodiversidade; os incêndios e os problemas socioeconómicos, que afastam as pessoas do interior para as cidades do litoral, deixando as terras ao abandono.
Por isso, a direcção nacional da Quercus “apela ao diálogo, ao compromisso e à ação de todos os parceiros dos vários quadrantes da sociedade (Governo, produtores agrícolas e florestais, empresas, indústria, sociedade civil) que, direta ou indiretamente, podem contribuir para a diminuição da desertificação dos ecossistemas através da utilização sustentável dos recursos naturais”.
“É urgente regenerar os ecossistemas terrestres, preservar os solos e os recursos hídricos. É urgente implementar políticas de combate à desertificação do território.”
A Quercus pede medidas e legislação específica que proteja os últimos exemplares e bosquetes de carvalhos autóctones; que obrigue à existência de uma floresta multifuncional e à compartimentação da floresta, de forma a quebrar a continuidade de monoculturas; que condicione as áreas de implementação de culturas agrícolas intensivas de regadio em zonas de montados de sobro e azinho, cujo declínio urge inverter; que regulamente ações de remediação em solos ameaçados ou já contaminados com medidas adequadas à sua atenuação, eliminação e/ou recuperação; e que contemple um modelo de gestão ecológica do território, nomeadamente a urgente revisão dos critérios para as faixas de gestão de combustível que deveria ter sido publicada em Janeiro deste ano.