Projeto pioneiro à escala continental dá origem ao Biogenoma Portugal, consórcio dedicado à investigação que promete contribuir para a salvaguarda das espécies do país.
O esforço coletivo de cientistas de 33 países, entre os quais Portugal, é celebrado esta semana. Juntos, ao abrigo do projeto-piloto do Atlas Europeu de Genomas de Referência (ERGA), estão a desvendar o património genómico de 98 espécies, contribuindo para o seu conhecimento e conservação.
Os primeiros resultados, a nível global e para Portugal, foram divulgados em dois artigos independentes, mas associados, na revista internacional npj biodiversity. Um destes artigos assinala a primeira apresentação do consórcio em formação Biogenoma Portugal.
A representação portuguesa no conselho do ERGA é coordenada pelos investigadores Vítor C. Sousa, do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e José Melo-Ferreira, do CIBIO Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado, BIOPOLIS, e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
“O conhecimento acerca dos genomas das espécies fornece dados centrais para os esforços dirigidos à sua conservação, tornando-se fonte de informação para medidas de gestão e políticas públicas”, comenta o CE3C em comunicado.
“Através da análise dos indivíduos, e das populações em que estes estão inseridos, a genómica (ciência que estuda os genomas) permite avaliar o estado do património genético de cada espécie e a sua capacidade de responder aos diferentes desafios ambientais que lhe são impostos, como sejam as alterações climáticas e outras pressões antropogénicas.”
Segundo os investigadores, “a genómica ajuda, por exemplo, a compreender se as populações se estão a expandir ou a retrair, se estão conectadas – trocando variação genética entre si através da migração – ou isoladas, ou ainda se conseguem adaptar-se a fenómenos climáticos capazes de as levar ao limite, como temperaturas altas, escassez de água, entre outros”.
Entre as 98 espécies com os segredos dos seus genomas agora desvendados, os investigadores portugueses concentraram-se em seis que têm estatutos de endemismo ou de ameaça consideráveis: o saramugo (Anaecypris hispanica), pequeno peixe criticamente ameaçado, que se destaca enquanto um dos mais vulneráveis à extinção em toda a Península Ibérica; a endémica lebre-ibérica (Lepus granatensis), espécie-chave dos ecossistemas ibéricos, em declínio devido a doenças virais; o louro-da-terra (Laurus azorica), que existe apenas nos Açores e cuja persistência está em causa devido à degradação do seu habitat; a ave criticamente ameaçada chasco-preto (Oenanthe leucura), cuja população de apenas 100 casais somente persiste na região agrícola do Douro; a camarinha (Corema album), habitante dos cordões dunares, de fruto comestível e com alto valor nutricional, sujeita às pressões do desenvolvimento socioeconómico do litoral; e o pequeno escaravelho-cavernícola-da-Ilha-Terceira (Trechus terceiranus) que declara, desde logo, na sua designação o habitat e local onde ocorre.
“Estas novas colaborações serão o motor de uma rede sustentada na área da genómica da biodiversidade em Portugal, que contribua para a conservação da biodiversidade nacional, promovendo a investigação, a formação e a ligação à sociedade”, comentou José Melo-Ferreira, investigador BIOPOLIS/CIBIO-InBio, e co-coordenador da representação portuguesa no ERGA.
Catalisada pelo ERGA, a missão partilhada de salvaguarda do património genético e conservação das espécies que ocorrem em território nacional, uniu uma equipa com mais de 50 biólogos e ecólogos portugueses que deu origem ao Biogenoma Portugal. Este consórcio inter-institucional procura cimentar as relações da comunidade nacional de investigadores e promover a sua formação contínua, conectando-os com redes internacionais e com a sociedade.
“O projeto piloto do ERGA permitiu consolidar a comunidade portuguesa que trabalha em genómica da biodiversidade, unindo várias áreas de investigação em torno de um objetivo comum, envolvendo especialistas desde taxonomia, à biologia molecular à bioinformática, e várias instituições, incluindo centros de investigação, universidades e museus”, explicou Vítor C. Sousa, investigador do CE3C e co-coordenador da representação portuguesa no ERGA.
O Biogenoma Portugal é o braço do ERGA a nível nacional que, por sua vez, faz parte do “Projeto para o Biogenoma da Terra”, uma iniciativa global liderada por Harris Lewin, e que procura desvendar o património genómico de 1.5 milhões de espécies. Professor na Arizona State University, Harris Lewin destaca o ERGA enquanto “o primeiro projeto de genómica de biodiversidade coordenado à escala continental” e prova do sucesso dos princípios de distribuição geográfica dos esforços e partilha do conhecimento obtido. Na sua segunda fase de implementação, o ERGA promete estudar 150 mil espécies da Europa nos próximos 4 anos.
João Pedro Marques, investigador BIOPOLIS/CIBIO-InBio, Universidade do Porto, e primeiro autor do estudo acerca do consórcio Biogenoma Portugal, acredita que este “esforço coletivo para desvendar os genomas destas espécies contribua de uma forma muito decisiva para a sua conservação e estudo, e que se multiplique num futuro muito próximo, com a adição de muitas mais espécies.”
Portugal alberga cerca de 35.000 espécies de plantas e de animais, segundo a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030. A Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) lista cerca de 800 das espécies avaliadas como endémicas de Portugal. Neste momento, há 404 espécies e 102 habitats protegidos por legislação europeia.