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Chasco-preto (Oenanthe leucura). Foto: Ricardo Jorge Lopes

Cientistas portugueses e europeus unem-se em esforço sem paralelo para preservar a biodiversidade

17.09.2024

Projeto pioneiro à escala continental dá origem ao Biogenoma Portugal, consórcio dedicado à investigação que promete contribuir para a salvaguarda das espécies do país.

O esforço coletivo de cientistas de 33 países, entre os quais Portugal, é celebrado esta semana. Juntos, ao abrigo do projeto-piloto do Atlas Europeu de Genomas de Referência (ERGA), estão a desvendar o património genómico de 98 espécies, contribuindo para o seu conhecimento e conservação.

Chasco-preto (Oenanthe leucura). Foto: Ricardo Jorge Lopes

Os primeiros resultados, a nível global e para Portugal, foram divulgados em dois artigos independentes, mas associados, na revista internacional npj biodiversity. Um destes artigos assinala a primeira apresentação do consórcio em formação Biogenoma Portugal.

A representação portuguesa no conselho do ERGA é coordenada pelos investigadores Vítor C. Sousa, do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e José Melo-Ferreira, do CIBIO Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado, BIOPOLIS, e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

“O conhecimento acerca dos genomas das espécies fornece dados centrais para os esforços dirigidos à sua conservação, tornando-se fonte de informação para medidas de gestão e políticas públicas”, comenta o CE3C em comunicado.

“Através da análise dos indivíduos, e das populações em que estes estão inseridos, a genómica (ciência que estuda os genomas) permite avaliar o estado do património genético de cada espécie e a sua capacidade de responder aos diferentes desafios ambientais que lhe são impostos, como sejam as alterações climáticas e outras pressões antropogénicas.”

Segundo os investigadores, “a genómica ajuda, por exemplo, a compreender se as populações se estão a expandir ou a retrair, se estão conectadas – trocando variação genética entre si através da migração – ou isoladas, ou ainda se conseguem adaptar-se a fenómenos climáticos capazes de as levar ao limite, como temperaturas altas, escassez de água, entre outros”.

Saramugo (Anaecypris hispanica). Foto: Carlos Carrapato

Entre as 98 espécies com os segredos dos seus genomas agora desvendados, os investigadores portugueses concentraram-se em seis que têm estatutos de endemismo ou de ameaça consideráveis: o saramugo (Anaecypris hispanica), pequeno peixe criticamente ameaçado, que se destaca enquanto um dos mais vulneráveis à extinção em toda a Península Ibérica; a endémica lebre-ibérica (Lepus granatensis), espécie-chave dos ecossistemas ibéricos, em declínio devido a doenças virais; o louro-da-terra (Laurus azorica), que existe apenas nos Açores e cuja persistência está em causa devido à degradação do seu habitat; a ave criticamente ameaçada chasco-preto (Oenanthe leucura), cuja população de apenas 100 casais somente persiste na região agrícola do Douro; a camarinha (Corema album), habitante dos cordões dunares, de fruto comestível e com alto valor nutricional, sujeita às pressões do desenvolvimento socioeconómico do litoral; e o pequeno escaravelho-cavernícola-da-Ilha-Terceira (Trechus terceiranus) que declara, desde logo, na sua designação o habitat e local onde ocorre.

“Estas novas colaborações serão o motor de uma rede sustentada na área da genómica da biodiversidade em Portugal, que contribua para a conservação da biodiversidade nacional, promovendo a investigação, a formação e a ligação à sociedade”, comentou José Melo-Ferreira, investigador BIOPOLIS/CIBIO-InBio, e co-coordenador da representação portuguesa no ERGA.

Louro-da-terra (Laurus azorica). Foto: Mónica Moura

Catalisada pelo ERGA, a missão partilhada de salvaguarda do património genético e conservação das espécies que ocorrem em território nacional, uniu uma equipa com mais de 50 biólogos e ecólogos portugueses que deu origem ao Biogenoma Portugal. Este consórcio inter-institucional procura cimentar as relações da comunidade nacional de investigadores e promover a sua formação contínua, conectando-os com redes internacionais e com a sociedade.

“O projeto piloto do ERGA permitiu consolidar a comunidade portuguesa que trabalha em genómica da biodiversidade, unindo várias áreas de investigação em torno de um objetivo comum, envolvendo especialistas desde taxonomia, à biologia molecular à bioinformática, e várias instituições, incluindo centros de investigação, universidades e museus”, explicou Vítor C. Sousa, investigador do CE3C e co-coordenador da representação portuguesa no ERGA.

O Biogenoma Portugal é o braço do ERGA a nível nacional que, por sua vez, faz parte do “Projeto para o Biogenoma da Terra”, uma iniciativa global liderada por Harris Lewin, e que procura desvendar o património genómico de 1.5 milhões de espécies. Professor na Arizona State University, Harris Lewin destaca o ERGA enquanto “o primeiro projeto de genómica de biodiversidade coordenado à escala continental” e prova do sucesso dos princípios de distribuição geográfica dos esforços e partilha do conhecimento obtido. Na sua segunda fase de implementação, o ERGA promete estudar 150 mil espécies da Europa nos próximos 4 anos.

Escaravelho-cavernícola-da-Ilha-Terceira (Trechus terceiranus). Foto: Javier Torrent

João Pedro Marques, investigador BIOPOLIS/CIBIO-InBio, Universidade do Porto, e primeiro autor do estudo acerca do consórcio Biogenoma Portugal, acredita que este “esforço coletivo para desvendar os genomas destas espécies contribua de uma forma muito decisiva para a sua conservação e estudo, e que se multiplique num futuro muito próximo, com a adição de muitas mais espécies.”

Portugal alberga cerca de 35.000 espécies de plantas e de animais, segundo a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030. A Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) lista cerca de 800 das espécies avaliadas como endémicas de Portugal. Neste momento, há 404 espécies e 102 habitats protegidos por legislação europeia.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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