Na nova série de entrevistas Investigadores pela Natureza, a Wilder fala com cientistas que se dedicam a tentar resolver alguns dos maiores desafios da biodiversidade em Portugal. Hoje, conheça Filipa Bessa, investigadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra.
WILDER: Quem é a Filipa Bessa como cientista?
Filipa Bessa: Sou bióloga de formação e descobri o meu interesse pela ecologia marinha durante o meu programa Erasmus em Itália, quando fiz um estágio de verão no Parque Nacional de Maremma com a organização WWF. Nesse período, participei em estudos de monitorização de crustáceos na zona costeira e comecei a compreender os processos de alteração populacional que estas espécies estavam a sofrer devido ao aumento significativo da pressão turística. Essa experiência fez-me perceber a importância da conservação e o impacto das atividades humanas nos ecossistemas marinhos, motivando o meu interesse por esta área.
Desde então, o meu foco tem sido o estudo dos impactos das alterações ambientais sobre os ecossistemas aquáticos, analisando a interação entre múltiplos fatores de stress e as suas implicações para as espécies, habitats e para o ser humano. Durante o doutoramento, aprofundei essa abordagem, avaliando as pressões em zonas costeiras e explorando o uso de animais marinhos como bioindicadores dessas perturbações.
Nos últimos dez anos, tenho-me dedicado a um dos desafios ambientais emergentes – a poluição por plásticos e microplásticos.
W: Quais os principais projetos que tem em mãos?
Filipa Bessa: Para mim, é extremamente estimulante desenvolver projetos científicos que envolvam cientistas de diferentes contextos e áreas do conhecimento. Parte do meu trabalho centra-se na avaliação da poluição por plásticos e microplásticos em zonas estuarinas e marinhas e nas espécies aquáticas que habitam estas áreas. Temos, por exemplo colaborado em estudos que analisam os efeitos destes poluentes em regiões polares bem como em ambientes tropicais, incluindo a avaliação do impacto da poluição por microplásticos em pinguins da Antártida e em tartarugas marinhas durante o período de nidificação nas praias de Cabo Verde.
Além da componente ecológica, tenho trabalhado em parceria com engenheiros para desenvolver metodologias inovadoras de mapeamento de plásticos em praias e extensas áreas costeiras, utilizando drones e inteligência artificial. Este tipo de tecnologia tem um grande potencial para monitorizar e compreender a distribuição da poluição por plásticos de forma mais eficaz e em larga escala.
Dado que a poluição é um problema global e pode afetar todos os tipos de ecossistemas, recentemente expandimos a nossa investigação para outras geografias, incluindo ambientes de montanha. Atualmente, estamos a estudar como a poluição por microplásticos afeta ecossistemas de altitude, com um foco na Serra da Estrela, procurando compreender a sua origem, transporte e possíveis impactos nestes habitats menos estudados.
Além disso, em colaboração com geólogos e paleontólogos, estamos a investigar como as pressões humanas, incluindo a poluição por plásticos, estão a deixar marcas nos registos geológicos. Este trabalho insere-se no contexto do debate sobre o Antropoceno e a forma como as atividades humanas estão a tornar-se uma assinatura permanente na história geológica do planeta.
W: Quais as questões científicas que mais a intrigam?
Filipa Bessa: Atualmente, há várias questões científicas que me intrigam e desafiam, especialmente no contexto das crises ambientais que enfrentamos. Vivemos um momento crítico em que se torna evidente que não existem soluções únicas ou isoladas para os problemas ambientais, pois todos estão interligados e exigem uma abordagem integrada e multidisciplinar.
A crise mundial tripartida – que combina as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição – é um dos maiores desafios da atualidade. Estas três dimensões não só coexistem, como se potenciam mutuamente, tornando essencial compreender as suas interligações e os efeitos nos ecossistemas e nas sociedades humanas. A degradação dos habitats, o aumento das temperaturas globais, as alterações nos padrões de distribuição das espécies e a crescente acumulação de poluentes, como os plásticos e os contaminantes emergentes, são exemplos de problemas que requerem abordagens holísticas para uma mitigação eficaz.
Além disso, a pressão sobre os recursos naturais continua a aumentar, impulsionada pelo crescimento populacional e pelo modelo económico atual, que ainda assenta num consumo insustentável. Como garantir um equilíbrio entre desenvolvimento humano e conservação ambiental? Como podemos integrar melhor a Ciência nas decisões políticas e sociais para promover soluções mais eficazes? Estas são questões fundamentais que me preocupam.
Outro aspeto que considero crucial é a dificuldade de implementar soluções integradas e duradouras. Muitas das estratégias existentes focam-se em setores específicos, sem considerar as interações complexas entre os sistemas naturais e sociais. Por exemplo, no combate à poluição plástica, não basta apenas reduzir a produção ou melhorar a reciclagem – é preciso atuar simultaneamente na educação, na economia circular e no desenvolvimento de políticas mais eficazes que envolvam múltiplos setores.
W: De que forma pode a sua investigação ajudar a conservar os ambientes marinhos, perante a crise climática?
Filipa Bessa: O meu trabalho centra-se na compreensão dos impactos da poluição nos ecossistemas marinhos e costeiros, procurando não só quantificar e caracterizar esta forma de contaminação, mas também desenvolver metodologias inovadoras para a sua monitorização e mitigação. Através da monitorização contínua e do desenvolvimento de novas abordagens, conseguimos fornecer dados essenciais para apoiar medidas de gestão e conservação mais eficazes.
Uma das áreas-chave para promover uma ação concertada, tanto a nível nacional como global, é a produção de conhecimento científico que possa sustentar políticas públicas mais eficazes. Os dados que obtivemos permitem fundamentar a criação de legislação e estratégias de gestão mais informadas, incluindo a definição de áreas prioritárias para conservação. Paralelamente, a aplicação de tecnologias inovadoras para mapear a poluição marinha amplia significativamente a capacidade de monitorização em larga escala. Com isso estamos a fornecer ferramentas práticas para a gestão ambiental e a permitir uma resposta mais rápida e eficiente.
W: Além da investigação no laboratório, tem participado em iniciativas de Ciência Cidadã. Qual a importância de se envolver nestas iniciativas?
Filipa Bessa: Sempre senti uma necessidade de comunicar Ciência e os resultados da nossa investigação, não apenas para aproximar os cidadãos do conhecimento científico, mas também porque acredito que o envolvimento ativo da sociedade em várias etapas do processo científico é muito importante para motivar mudanças efectivas perante os desafios ambientais que enfrentamos. Quanto mais conectados estivermos à Ciência e compreendermos as suas implicações no nosso dia-a-dia, maior será a capacidade de mobilizar cidadãos de diferentes setores para agir e mudar.
A Ciência Cidadã tem sido uma das formas mais eficazes que encontro para estabelecer essa ponte entre a investigação e a sociedade. Através de iniciativas e projetos que temos desenvolvido, tenho procurado criar ferramentas que permitam às pessoas participar ativamente na monitorização da poluição marinha, tornando-as não apenas observadoras, mas agentes de mudança. Para que este envolvimento seja significativo, é essencial traduzir conceitos científicos de forma acessível, utilizando exemplos do quotidiano, ferramentas visuais e atividades interativas que aproximam a Ciência da realidade de cada um.
Além da comunicação direta, também creio que a arte pode ser um excelente e poderoso veículo para a disseminação da Ciência. Nem sempre conseguimos captar a atenção do público através de palestras ou sessões informativas, mas a arte tem a capacidade única de despertar emoções e alcançar públicos mais amplos. A colaboração entre ciência e arte abre novas possibilidades para envolver a sociedade e estimular a reflexão sobre questões ambientais. Tive a oportunidade de trabalhar com vários artistas que transformaram o conhecimento científico em obras que ressoam com diferentes públicos, ampliando o alcance da mensagem. Acredito que estas sinergias devem ser incentivadas, pois tornam a Ciência mais acessível contribuindo para uma sociedade mais informada e envolvida. No fundo, sair do laboratório e participar nestas iniciativas não é, a meu ver, apenas uma forma de divulgar a investigação, mas uma extensão natural do próprio processo científico, garantindo que o conhecimento produzido tem um impacto real e transformador nas pessoas.
W: Que conselhos pode dar aos jovens investigadores em início de carreira?
Filipa Bessa: Diria que a Ciência é um caminho desafiante, mas também gratificante. Há algumas lições que aprendi ao longo do meu percurso e que podem ser úteis para quem está a começar. Em primeiro lugar, cultivem a curiosidade e a resiliência, pois a Ciência é feita de perguntas, descobertas e, muitas vezes, tentativas falhadas. Nem sempre as coisas correm como planeado e, por vezes, mudanças inesperadas podem levar-nos para outros caminhos e novas oportunidades.
É também fundamental construir redes de colaboração, pois a Ciência não se faz isoladamente. Trabalhar com diferentes especialistas, dentro e fora da vossa área, pode abrir novas perspetivas e oportunidades. Ser flexível e estar disposto a aprender com outras áreas do conhecimento pode levar a soluções inovadoras e inesperadas. Além disso, procurem manter um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal. Por fim, outro aspeto que acredito ser essencial é a comunicação. Invistam nisto em formação pois é crucial saber transmitir a vossa investigação, tanto para a comunidade científica como para o público em geral; é algo fundamental para ampliar o impacto do vosso trabalho.