O novo sistema tecnológico que vai permitir observar a vida selvagem a partir do espaço, a uma escala sem precedentes, passou mais uma fase crucial. Ontem dois cosmonautas instalaram com sucesso a antena do ICARUS na Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês).
Os animais selvagens – desde morcegos, tartarugas marinhas, aves costeiras e aquáticas, mas também carnívoros e peixes – podem dizer-nos muito sobre a saúde do nosso planeta. E até mesmo avisar-nos antes de catástrofes naturais, como sismos ou erupções vulcânicas acontecerem.
Os investigadores consideram que os animais são verdadeiros sensores inteligentes sobre o que se passa na Terra.
Depois de 16 anos de trabalho de uma equipa internacional de cientistas e engenheiros, a missão ICARUS (International Cooperation for Animal Research Using Space) está cada vez mais perto de começar a funcionar.
Ontem, os cosmonautas russos Oleg Artemyev e Sergey Prokopyev da Agência Espacial Russa Roscosmos fizeram uma saída espacial que durou cerca de oito horas. Durante essa saída, instalaram no segmento russo da ISS a enorme antena do ICARUS. Esta antena, que tinha chegado à estação espacial em Fevereiro deste ano e que agora foi montada no seu exterior, vai percorrer a superfície terrestre 16 vezes por dia, durante cada órbita.
Depois, os dados que receber, a partir de quase todos os cantos do planeta, serão transmitidos para o centro de controlo terrestre. A partir daí, os dados serão distribuídos pelas equipas de investigação. Todos os dados – à excepção de dados sensíveis de conservação, como a localização de rinocerontes – serão também publicados na base de dados de acesso público MoveBank que compila a informação de todos os projectos e a dá aos cientistas de todo o mundo.
Este é um projecto do Max Planck-Yale Center (MPYC) for Biodiversity Movement and Global Change. As suas equipas têm vindo a desenvolver tanto transmissores mais pequenos (até 2025, a equipa espera ter transmissores que funcionam a energia solar pequenos o suficiente para serem colocados em gafanhotos do deserto) como as maiores antenas (o equipamento que foi instalado ontem na ISS). Juntas, estas duas tecnologias darão aos investigadores que estudam a Biodiversidade uma perspectiva sem precedentes, a partir do espaço, das vidas dos animais selvagens.
“Este sistema representa um salto gigante no estudo dos movimentos e migrações dos animais e vai permitir monitorizá-los em tempo real e a uma escala global”, disse Walter Jetz, professor de Ecologia e biólogo em Yale e co-director do MPYC, em comunicado.
“Antigamente, os estudos de monitorização estavam limitados, na melhor das hipóteses, a poucas dezenas de indivíduos seguidos em simultâneo, e os transmissores eram grandes e caros”, acrescentou Jetz.
Mas mesmo com a tecnologia limitada, os investigadores já conseguiram prever erupções vulcânicas ao seguir os movimentos de rebanhos de cabras e compreender os impactos das alterações climáticas ao seguir alterações na migração das aves.
Agora, este novo sistema vai permitir aos investigadores ver “não apenas onde está um animal mas também o que ele está a fazer”, explicou Martin Wikelski, coordenador estratégico do ICARUS, director do Max Planck Center for Ornithology e co-director do MPYC, juntamente com Jetz.
“A uma escala global, seremos capazes de monitorizar os comportamentos individuais dos animais e saber um pouco mais sobre as suas histórias de vida intrincadas e como interagem uns com os outros”, disse Wikelski. E o objectivo é que os dados obtidos possam ajudar na conservação das espécies selvagens.
Além de posicionarem coordenadas, os transmissores são capazes de captar a aceleração de cada animal, o seu alinhamento com o campo magnético da Terra e as condições ambientais, como a temperatura, a pressão do ar e a humidade.
“Os animais com transmissores podem ser sensores inteligentes e sentinelas biológicas quase em tempo-real para nos informarem sobre os efeitos da biodiversidade nas alterações ambientais em curso”, explicou Jetz. “Há tantas coisas que os animais nos podem dizer”, comentou Wikelski.
No início de 2019, Wikelski e os seus colegas terão 1.000 transmissores no terreno mas esperam vir a ter 100.000.
Neste momento já existem cerca de 150 projectos de investigação à espera de poder usar esta nova tecnologia
Segundo Wikelski, são várias as questões mais prementes que o ICARUS pode ajudar a responder. “Primeiro diria que são as aves migradoras. Os seus números têm diminuído dramaticamente por todo o mundo e, em muitos casos, não sabemos por que estão a desaparecer e de onde.” Na sua opinião, é crucial agirmos rapidamente antes de ser tarde de mais. O mesmo acontece com muitos recursos pesqueiros e mamíferos marinhos.
Outras questões são como os animais espalham vírus ou bactérias que podem causar doenças e que espécies são capazes de prever catástrofes naturais. “Dados científicos sobre sismos e erupções vulcânicas sugerem que alguns animais conseguem sentir esses eventos com horas de antecedência. Se conseguirmos demonstrar estas capacidades, para lá de qualquer dúvida, isto poderia salvar milhares de pessoas no futuro”, acrescentou.