Em apenas uma semana, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e a GNR encontraram envenenados nove milhares-reais, uma águia-imperial e uma raposa em Castro Verde, naquele que é o caso mais grave registado no Alentejo, desde que há registos. A associação vai levar o caso ao ministro do Ambiente.
As equipas cinotécnicas da GNR (homem/cão) e a LPN continuam as buscas no terreno, numa área com cerca de 1.500 hectares em Castro Verde, desde que, a 15 de Novembro, foi encontrado um milhafre-real (Milvus milvus) com sinais de envenenamento mas ainda com vida.
“A ave foi encontrada, por acaso, quando fazíamos trabalho de campo”, numa zona agrícola perto de uma vila, contou Rita Alcazar, da LPN, à Wilder. O milhafre tinha “sintomas de envenenamento agudo, que incluía vómitos, espasmos musculares e outros sintomas de grande sofrimento”, escreve a associação em comunicado.
A LPN levou imediatamente a ave para o centro de recuperação de animais selvagens em Olhão (RIAS). “Hoje está em recuperação, com um bom prognóstico”, acrescentou Rita Alcazar. “Acredito que este animal poderá vir a ser devolvido à natureza.”
A mesma sorte não tiveram os outros 10 animais encontrados uns dias depois, todos a uma distância de menos de um quilómetro.
Num único dia, a GNR encontrou os cadáveres de uma raposa, de cinco milhafres-reais e de uma águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti). “Tem sido um choque para nós. Víamos esta águia-imperial quase todos os dias, a sobrevoar a zona. Era um juvenil. Agora caiu”, disse com tristeza Rita Alcazar. Todos os animais tinham fortes indícios de envenenamento.
No dia seguinte foram encontrados mais três cadáveres de milhafres-reais. “Tudo parece indicar ter uma origem comum”, avança a LPN em comunicado.
Tanto o milhafre-real como a águia-imperial-ibérica são espécies com problemas de conservação.
O milhafre-real, outrora comum, começou a desaparecer na década de 60 por causa do uso de pesticidas e da perseguição movida por caçadores e pastores. Hoje tem estatuto de Criticamente em Perigo e está protegido por legislação nacional e internacional. Tem populações residentes em Portugal – especialmente na fronteira com Espanha, nos distritos de Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja – e outras apenas invernantes.
A águia-imperial-ibérica está no centro de um esforço de conservação, feito pelo projecto LIFE Imperial (2014-2018). Esta é uma espécie com estatuto de Criticamente em Perigo em Portugal, de onde se extinguiu nos anos 1970. Depois de uma lenta recolonização com aves vindas de Espanha, em 2013 haviam em Portugal nove casais confirmados. O Projecto LIFE Imperial – que trabalha para aumentar a população da espécie no nosso país – está a ser implementado nas ZPE da Rede Natura 2000 de Castro Verde, Vale do Guadiana, Mourão/Moura/Barrancos e Tejo Internacional, Erges e Pônsul.
E agora?
A LPN trabalha há vários anos na região de Castro Verde, no Vale Gonçalinho, com projectos de conservação da natureza e conhece bem a realidade local. “Não creio que este seja um problema generalizado” na região, mas sim da responsabilidade de “um ou outro indivíduo”, acrescentou Rita Alcazar. Ainda assim, nos últimos anos têm sido detectados mais casos de uso ilegal de venenos.
“Isto pode ser porque estamos mais presentes no terreno, ou porque as pessoas estão mais sensibilizadas e recebemos denúncias anónimas.” O que é certo é que a LPN de Castro Verde nunca tinha visto um caso tão grave.
Agora, Rita Alcazar espera que o caso siga para os tribunais, para não haver impunidade. “O papel do Ministério Público é extremamente importante” e a LPN já se tem constituído como assistente em outros casos de envenenamento de espécies protegidas, como o lince-ibérico e águia-imperial.
Tendo em conta a gravidade deste caso, a LPN pretende apelar ao ministro do Ambiente. “O quadro legal que temos em Portugal é suficiente. O que precisamos é que o processo todo, desde que o animal é encontrado no campo até ao caso chegar ao tribunal, seja mais claro, óbvio e objectivo. Ainda há uma grande confusão”, acrescentou Rita Alcazar.
O problema do uso ilegal de venenos é uma grave ameaça às espécies selvagens e também para as pessoas. “Existe um elevado risco para a saúde pública, quer por introdução na cadeia alimentar humana através do consumo de animais contaminados (por exemplo coelhos, lebres ou perdizes) ou através do contacto directo por manipulação de iscos ou contacto com fluidos de animais envenenados”, segundo a LPN.
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